
Queimo cigarros enquanto espero a presença de quem, carinhosamente, abraçará o meu corpo e quem sou. Não precisamos de confessar quem somos a quem nos conhece pelo olhar e que procura um pouco de paz entre estes dias que não trazem nada que nos diga. Podia divagar durante horas sobre como é tentar adormecer num quarto que teima em projectar nas paredes todo aquele passado que me dói constantemente ou como é acordar, para sentir um vazio invadir um peito cansado. Não me quero esconder mais entre os lençóis, sabendo que amanhã será igual. Já lutei tanto e por tanto, que toda a força que tenho vai sendo cada vez menos para tentar aguentar mais um dia como os que chegam. É por isso que te peço, foge comigo.
Caminho na cidade que me viu crescer, que de alguma forma, parece partilhar a dor que levo dentro de mim. E caminho em silêncio num fim de tarde onde o sol parece uma bola de fogo que cai no horizonte, lá no fim daquela via rápida, trazendo o esperado fim. Suspiro apenas por saber que nada do que possa dizer ou fazer seja capaz de mudar qualquer coisa que nos possa acontecer. Olho à nossa volta e sinto que vivemos num mundo de apatia, que por vezes é dominado pela angústia que nasce no nosso fundo. Talvez seja por isso que num final de tarde como este, vamos para um local deserto qualquer, ver o sol cair, sentindo a droga invadir o corpo, para que de alguma forma nos tornemos mais nossos e nos afaste de tudo aquilo que nos dói, doeu e doerá. A dor é tudo aquilo que sempre conhecemos melhor. O vazio é tudo aquilo que existe em nós e que vai aumentando, à medida que nos vamos tocando no fundo.
Só o meu pensamento é invadido por vozes, guitarras e batidas de bateria que me gritam e me rasgam a alma numa confusão ordenada, sentindo o fundo do meu ser, soltando um grito silêncioso no meu vazio.
O passado assombra tanto que é capaz de destruir o futuro e é nesse pensamento que nasce a angústia no presente que vivo, por saber que nada, mas nada, me espera na realidade.
O vento agita-me o cabelo e a droga atrofia-me os sentidos. Páro no tempo. Não pertenço a lado nenhum.