
Além de ter vivido de uma forma pouco ortodoxa, para não dizer que passava os meus dias odiando tudo em meu redor, quando penso em tudo o que era (ou não era) sou invadido por uma tristeza criada pelo tempo. Sinto uma nostalgia capaz de me fazer acreditar que recuei no tempo, talvez pela vontade de voltar atrás, e a única maneira de descobrir que vivo num tempo diferente é levantar a cabeça da almofada e lembrar-me de quem eu sou hoje.
No passado sentia uma espécie de conforto na melancolia que me preenchia, capaz de me fazer sobreviver até o dia seguinte, talvez porque através dessa melancolia criava-se um pequeno canto só meu, que me fazia resistir perante tudo aquilo que observava à minha volta. Nesse tempo estava afastado de tudo e de todos, ninguém se sentia capaz de beijar ou amar, mas existia quem me compreendia, talvez vendo-me como uma pessoa que nunca cheguei a ser. Ofereciam palavras de conforto ou de coragem e o tempo ia passando. Hoje que recuo no tempo, vejo que ainda era bastante ingénuo, muito puro e natural, talvez derivasse daí a companhia que sentia e a minha revolta sobre todos os assuntos que me perturbavam capazes de me confortar no meu dia a dia que era um completo desperdício de tempo.
Sinto saudades da ingenuidade que não sei como, perdi. Porque hoje sou apenas mais um corpo com opiniões, ideias e sentimentos que todos já sabem, já viram e já viveram. Sinto-me fora de tempo. Como uma música que aos poucos foi perdendo a emoção de quem a ouve, porque o músico perdeu-se entre as notas e apenas continua porque não sabe o que fazer.
Gostava de me sentir num mundo só meu, mas hoje sinto-me tão velho que já não encontro a minha juventude. Não sinto ao ponto de me refugiar em recordações de tempos que hoje são capazes de assombrar o futuro. Tempos que quando vividos não era dado o seu devido valor. Porque hoje que olho para trás, mesmo que se pensava não viver, estava-se a viver uma vida diferente das outras. Hoje, já não existe chama.
Lamento, com um olhar fixo no chão, ao me aperceber que já não escrevo sobre o meu lado efeminado, sobre as conclusões que o meu olhar retira do mundo que me rodeia, sobre as músicas que têm vindo a ser ouvidas neste quarto. Porque agora também já não existe ninguém para me ouvir, todas as pessoas foram embora, seguiram o seu rumo. Estou mais sozinho do que um dia possa ter pensado que pudesse estar, porque já muito por mim passou e nada permaneceu. Tudo cresceu e floriu enquanto que eu sentei e morri. Não sou metade do que era.
Já não sei quem sou, que faço ou pretendo. É o que mais magoa. Não sei o que é feito de mim, porque me perdi no tempo que por mim passou. Apaguei a minha própria existência e tudo o que resta de mim, encontra-se espalhado no passado.
Destruí tudo o que um dia fui ou estava a construir, a pessoa dentro de mim fugiu e com ela toda a emoção de viver. Destruí toda a minha percepção e capacidade de avaliar o mundo, toda a minha empatia, toda a minha mente desperta e passivamente rebelde, desapareceu, morreu, esvaneceu.
E como tudo em mim que morreu, morri também para quem outrora fui alguém, mesmo qualquer pessoa que pouco me conhecia mas me achava merecedor de um sorriso. Tudo fugiu, que a cumplicidade criada, o conforto que era sentido, as palavras que eram dirigidas, os sentimentos que por todos eram partilhados, aquele mundo que se criou num pequeno grupo, parece uma realidade que nunca existiu a não ser num sonho distante.
O meu cabelo loiro cresceu pelo ombro, o rosto desenvolveu e emagreceu, fazendo com que a pele juvenil agora se maltrate com barba e os poros estejam imunes da pureza outrora característica. O olhar tornou-se mais distante e o sorriso foi desaparecendo entre a leve cortina que o tempo fechou. Hoje sou quem um dia nunca pensei a vir a ser, e por isso, lamento e morro mais uma vez.
6 comentários:
Há dois anos eramos outros, lembras-te? Também tenho saudades de quem fui. E também não gosto de quem hoje sou.
Onde ficou o botão para voltar para trás? Procuro-o e não o vejo.
Merda.
Profundo este teu texto...a vida é como uma bússola louca em busca do Norte e nós, meros viajantes caminhando, caminhando sempre... Um beijo enorme
eu continuo a achar k es merecedor de um sorriso~.
*sorrio te*
"O tempo em que festejavam o dia dos meus anos..."
Álvaro de Campos
"Aniversário"
Lindo!!
A vida não tem que ser justa, como ouvi num filme, é como uma caixa de bombons, nunca se sabe o que está lá dentro.
Um abraço.
;)
Gosto imenso da maneira como exteriorizas os teus sentimentos e sentires, uma prosa poética muito bela. Saudades do passado, nostalgia...quem nunca teve desses momentos?? todos temos, mas já te deste conta que nós mais do que passado somos futuro??? eu tenho saudades do futuro ;)
A fotografia está excelente.
Um abraço
Enviar um comentário