quinta-feira, junho 22, 2006

Noites

São duas da manhã, pego numa bicicleta que me emprestaram e saio porta fora na esperança de encontrar algo mais do que a dor que tenho em mim.
Viajo entre estas ruas, típicas de uma vila, que neste momento estão mergulhadas pela escuridão que as adormece e abre caminho para todos aqueles que procuram algo mais do que aquilo que um simples navegar em plena madrugada pode trazer a qualquer pessoa que é capaz de ser feliz num mundo de ilusões que se vivem diariamente. Pedalo lentamente, reconhecendo todas as ruas que parecem ganhar um encanto que escondem durante o dia. Os gatos que caminham em grupo fogem para os becos e ficam ali, ver-me passar com um pequeno sorriso, de quem fugiu de uma casa que traz todas aquelas recordações que doem e que temos constantemente em mente nestas noites solitárias que nos afogam em nós mesmos.
Vou subindo a rua que me vai dar a vista que mais posso desejar numa noite tão silênciosa onde sou capaz de ouvir dezenas de conversas que possa ter tido ou ouvido e em mim estejam guardadas. Suspiro ao sentir que tudo o que me rodeia dorme e eu vou vivendo, viajando, até onde desejar, com uma angústia que é capaz de me dominar quando, sozinho, no quarto, me apercebo de tudo aquilo que diariamente me rodeia. Hoje é tempo de sair e correr, parar no tempo e viver. Viver momentos dos que sentimos em sonhos, que não passam de realidades paralelas e que sempre desejámos sentir.
No cimo da rua, encontro uma rapariga sentada no passeio, olhando para o horizonte que cá de cima aparece de uma ponta à outra da nossa visão. Decido parar e antes que pudesse pensar em qualquer coisa para dizer, mesmo que não me sentisse capaz de dizer seja o que fosse, pergunta-me o que vim cá fazer. O que me leva a perguntar o porquê dessa pergunta e recebo a resposta mais bela que podia alguma vez imaginar. A rapariga diz-me que vem cá várias vezes, na esperança de um dia encontrar alguém que procure um local como aquele, à procura de uma paz que foge constantemente dia após dia. Vem caminhando lentamente, entre a noite, numa vila adormecida, observando e admirando cada detalhe que lhe fica gravado na mente como tudo se tratasse de um sonho bonito demais para ser vivido. Vem cá, abandonando um mundo de sentimentos que a prendem e a sufocam dentro de si mesma, por toda a dor que possa ter dentro dela que ninguém que conheça é capaz de imaginar ou sentir. Seja por tudo aquilo que possa ter vivido, por tudo aquilo que vive e que a impossibilita de sentir um conforto que à muito lhe escapa, onde apenas em noites como esta, longe de tudo e até de si mesma como se conhece, encontra.
Já sentado, lhe disse que o meu sonho apenas se tinha tornado mais intenso, por encontrar alguém que procura o mesmo que eu. E mais intensas estas noites seriam, se vissemos subir aquela rua, um a um, adolescentes com a alma magoada, procurando aquilo que nunca encontram e que para a maioria dos que neste mundo habitam desconhecem. Um pequeno grupo se formaria, como um culto, em torno da apatia, que vaguearia à nossa volta enquanto aqui ficávamos em silêncio.
E vi o sorriso mais sincero que alguma vez possa ter visto, saboreando a paz e o sabor da apatia.
Veio o silêncio e já de cigarro aceso, observo o largo horizonte que é rasgado por uma serra interminável onde apenas as pequenas luzes ao longe cintilam e as estrelas que dançam no céu lentamente pintam o mais bonito dos quadros que parece trazer a benção por algo que trazemos em nós.

sábado, junho 17, 2006

never ending thought

Raramente me lembro que tenho 20 anos. Quando o faço, sinto-me velho. Detesto falar sobre mim e nunca sei o que dizer porque penso mil e uma coisas e nunca sei o que dizer sobre elas. Não faço nada de jeito na vida. Tenho uma paixão assumida pela Melanie Griffith que começou na personagem Lulu do Something Wild e pela Kim Gordon dos Sonic Youth. Gostava de ter conhecido o Jack Kerouac. Gosto de gatos. Não gosto de cobras, perto de mim. Não gosto do meu quarto. Não gosto do local onde moro. Passo o tempo a escrever, a fumar e em paranóias constantes dentro de mim mesmo. Gosto de pintar os olhos, usar guizos nas roupas e oculos dos anos 80. Gosto de all stars e roupas ás riscas. Não gosto é da onda alternativa que hoje se formou que todos têm que usar roupas ás bolinhas e ás riscas, franjas e ouvir bandas que não passem na MTV. Gostava de trabalhar numa loja de música, mesmo sabendo que hoje em dia, mesmo as pessoas que apreciam música preferem sacá-la da internet. Gosto de fazer feedback com a minha guitarra e do meu pedal de distorção. Gosto de perder o controlo enquanto toco quando ninguém vê. Gosto de drogas e dos seus efeitos que me afastam de tudo o que possa existir. Não gosto de me sentir a toda a hora um adolescente sem rumo. Não gosto das pessoas que neste momento me estão a julgar ao ler isto. Não procuro um futuro brilhante. Aliás, não procuro seja o que for. Viveria na rua com as pessoas certas. Exploro a baixa sempre que posso até as pessoas me conhecerem de vista. Não socializo muito. Poucas pessoas me conhecem. Ainda menos as que me falam. Sou conhecido por ser aquele que ninguém conhece. Passo o dia a ouvir música, até mesmo na minha cabeça. Gosto de tentar tocar guitarra em locais fechados. Gosto de passar noites num anexo cheio de pó, brinquedos velhos, garrafas vazias, colchões velhos, longe da vida como a possa conhecer, improvisando na guitarra, delirando na droga e em conforto por me sentir longe de mim mesmo. Não gosto de sentir o tempo a passar por mim como acontece, sabendo que desperdiço minutos que nunca voltarão, mesmo que não consiga fazer nada para mudar seja o que for. Gosto de fotografia. Gosto de sair à noite, para locais que poucas pessoas vão. Gosto de concertos. Gosto de sítios calmos. Gosto de estar em silêncio com alguém e conseguir sentir que a outra pessoa se sente bem. Não gosto de mim como me conheço. Gosto de dormir em florestas. Passo noites em claro, em angústias inexplicáveis e desesperos pouco comuns. Nunca digo nada de jeito quando tentam falar comigo sobre alguma coisa. Gostava de me sentir totalmente livre no meio deste mundo de coisas que acontecem onde nada me consegue dizer seja o que for. Gosto de adolescentes que se consigam sentir a eles mesmos e que gostam de conhecer pessoas assim. E não gosto de começar todas as minhas frases por gosto.

terça-feira, junho 06, 2006

The lonely journey

Sou uma criatura estranha que se nega a cada despertar mas que mesmo assim, acorda, deixando-se morrer.
Tenho uma alma magoada e sem cura que me desgasta o corpo e a mente nos dias que passam dolorosamente sem me trazerem qualquer alento. Sofro de tanto sofrer e sofro tanto por não me querer. Mudaria o mundo para uma paz incompreensível que trazia o mais belo dos suspiros a todos aqueles que se sentem a eles mesmos. Já me cansei de tanto querer, que hoje não quero nem procuro. Vou-me deixando em palavras que me saem do fundo e do vazio, da angústia e do desespero, mesmo sabendo que a cada segundo que passa é mais um que não volta mais. E nem mesmo as palavras mais reveladoras e sentidas que possa partilhar me afastam do que carrego em mim, todas elas me cercam, numa tempestade que me destrói lentamente. Só preciso de um sitio calmo e discreto que me traga o silêncio que me leva a vida que nunca agarrei, não peço mais. Apenas uma tranquilidade estupidamente dolorosa por saber que tudo em mim se esgotou à muito tempo.
De nada me valem as palavras maduras e experientes na vida que nada me diz se nenhuma delas me são capazes de me ler como sou. Sou tudo aquilo que não fui e que nunca chegarei a ser, talvez por isso me pese a consciência distorcida e paranóica. Não me lamento por tudo aquilo que aparento ser, apenas me odeio por não ter onde pertencer ou simplesmente querer algo mais do que a própria vida em si.
O alcóol, o tacabo, a cocaína, o haxixe e a erva não são mais do que escolhas conscientes de quem não se quer, escudos temporários para uma realidade que nunca quis, acelerando um ponto final que mesmo podendo ser colocado já, preferi vivê-lo. Esvaneço na vida como num nevoeiro cerrado de uma cidade deserta em plena madrugada.

All the smiles that I gave
And all the tears that I shed
Will never safe me from myself
Or replace what I felt