sábado, novembro 25, 2006

Paranóia

Não queremos acordar ninguém, mais vale não entrar. É melhor ficar á porta e com um pouco de sorte chove para criar mais drama. E com este céu nublado quem prefere estrelas que magoem os olhos? Somente um louco que se queira resumir a si mesmo, desejando um brilho que nunca vai ter.
Mais vale ficar neste silêncio, com este ou outro grupo de gatos que por vezes dobram a esquina. E para quê o nevoeiro, se podemos ver horizontes infinitos que nunca conseguiremos alcançar. É, mais vale brincar com os pés que tocam no chão ao ritmo que se vai ouvindo na cabeça e com um pouco de sorte chove para conseguirmos ensopar as sapatilhas gastas. E com uma noite destas quem prefere a agitação do dia que bem lá no fundo de agitado não tem nada? Somente um megalómano inconsciente da sua ignorância, desejando tudo do constante nada que até agora foi capaz de criar.
Mais vale ficar a ouvir a conversa do consciente, com uma ou até mais vozes que não se calam por muito que possámos querer. E para quê gritar, se podemos guardar este momento para sempre, mesmo que não sirva para seja o que for. É, mais vale brincar com as pontas dos dedos que se tocam lentamente para ver se ainda se sentem, nas luvas de vagabundo compradas numa loja qualquer.
E com esta serenidade nocturna, que no fundo não deixa de ser um vulcão de emoções invisíveis ao olho nu, quem prefere um colchão para se deitar e para voltar a ter um dia como tantos outros? Só um fraco, incapaz de se enfrentar a si mesmo e que gosta de dizer que nada o consegue quebrar.
Mais vale ficar imovél ao ponto de sentirmos o nosso próprio sangue circular, para que sejámos capazes de nos lembrar que ainda funcionamos minimamente. E para quê recusar a existência, se a única coisa certa que temos na vida é a morte? É, mais vale brincar com o cabelo e sentir se já está na altura de o lavar, já que não há luz para ver se o cabelo escureceu de novo. E com todo este silêncio, com o seu ruído tão agudo, capaz de magoar os tímpanos e que lembra o cérebro a trabalhar como um frigorífico, quem prefere outro som qualquer que distraia de tal maneira que nos faça esquecer que existimos. Só um altruísta, capaz de abdicar dele mesmo perante tudo o resto e esses já só existem em páginas gastas pelo tempo.
Mais vale ficar aqui, sentir o corpo que não se mexe um centímetro que seja, onde apenas o olhar consome todas as cores e formas que lhe são apresentadas para além de todas as outras memórias que a mente é capaz de apresentar na tela negra da consciência. É, mais vale ficar aqui quieto, deixar os outros dormir e com um pouco de sorte chove para ver se ainda somos capazes de nos sentir limpos.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Percebes?

Agora mesmo.
Pode acabar tudo aqui. Neste último olhar, no silêncio do meu pensamento. Falta-me egoísmo e isto não é uma qualidade.
Estou cansado de estar cansado e a verdade aos poucos foi ganhando o sabor amargo da mentira, talvez por ser ingénua demais. Perdeu-se o dom da inocência quando tudo o que tocou em nós até hoje se tornou em simples interesses. E tudo nos obriga a pensar dessa maneira, mesmo que tenhamos a certeza e a razão seja baseada na experiência. Dispenso qualquer tipo de intriga ou julgamento.
Envelheci e por muito que o mundo tenha para mostrar, não sou capaz de desenvolver qualquer tipo de enzima que me desperte o interesse em conhecer seja o que for. Sobretudo quando tudo o que nos rodeou, na maior parte do tempo, tenha sido destruição. Desde a mais física, passando pela social, interior ou até, como um espectador enojado, global. E por mais estúpido que possa soar, ganho a inútil vontade de pedir desculpa seja lá pelo que for a qualquer pessoa com que me tenha cruzado. Por muito mal que me possam ter feito ou pela ajuda que me possa ter dado com um simples e sincero olá. Talvez a consciência parasse de construir a cruz que já não aguento. Ou somos todos o resultado de quem vê televisão a mais, romantizando a vida e quando somos capazes de avaliar a nossa, toda ela não passa de um desperdício de tempo. Mas eu não gosto de televisão a esse ponto. Gosto da vida, por mais irónico que possa parecer. Das ruas movimentadas ou abandonadas, de um céu iluminado por um luar capaz de nos guiar numa floresta qualquer ou da chuva que cai numa tarde de céu cinzento. De sons e silêncios, risos compulsivos e despreocupados. Tanto mais que perco a paciência, sabendo ser impossível referir tudo o que se é capaz de sentir através de um momento tão natural.
E talvez não seja de hoje, mas este novo século trouxe um punhado de gente que parece gostar de sentir forçadamente para entrar no barco dos que estão à margem da vida regida pelo relógio. A notícia é que, nenhum dos que estão à margem se dizem melhores que alguém. Não há elites, muito menos snobs. Nem bares da cena, conversas pré-definidas ou pulsos que sangram por atenção. Há dor, diferente da que se sente num funeral, no desemprego ou na falta de saúde. Há um desespero continuo e um desencaixe social progressivo. Há a angústia pelo sentimento de insuficiência, que se vai tornando insuportável.
Mas isto não é ser fraco. Ser fraco é aceitar a vida como ela é.