segunda-feira, dezembro 18, 2006

Tenho uma história para contar

Tenho uma história para contar sobre um rapaz que nasceu numa aldeia nos anos 80, que se tornou vila nos anos 90. Local que mais tarde costumava apelidar como "o fim do mundo".
Foi criado pela avó desde criança e desde pequeno teve as suas aventuras de cair de sítios relativamente altos até levar com um prato na testa quando desprevenido a mãe lhe disse para apanhar. Não havia muito para fazer nem muito para onde ir. Os pais gostavam de vesti-lo de marinheiro ocasionalmente. Deve ter ido a umas 50 excursões para vários locais de Portugal com a sua avó, onde ficavam os dois a dormir uma ou duas noites em sitios diferentes. O ritual era sempre o mesmo: acordar sempre as 4 da manhã e apanhar o autocarro com os amigos dela. E aos 5 anos, quando ainda ria com a família e a beijava, ameaçou ir embora e pegou em alguns brinquedos e chocolates, embrulhou-os num pano e amarrou-o a um pau, partindo lentamente para a floresta que existia a poucos metros da casa dele enquanto os pais lhe diziam adeus, rindo-se da figura dele. Desde pequeno sempre teve um primo que morava ao lado e um amigo que lhe também lhe era meio primo. Tornou-se próximo do seu meio primo de tal maneira que ora um, ora outro, passavam tardes inteiras na casa um do outro a olhar para uma televisão onde se jogavam jogos que, ora amuava um, ora amuava outro. Quando entrou para a primária ficou numa daquelas turmas enigmáticas que todos eram capazes de se destacar de qualquer forma. Só levava réguadas quando tirava suficiente em vez de bom e daquela vez que, lembrando-se de um desenho animado sobre baseball, estava a atirar pedras contra a parede e alguém se lembrou de passar a correr na trajetória da pedra que já ia lançada no ar. E viu sangue por todo o lado.
Não criou nenhuma relação em particular com ninguém que conhecera na escola, nem aqueles namoros queridos onde só é preciso dar a mão. Já no ínicio do básico conheceu um rapaz que veio de Angola e outro da outra ponta da vila e, contando com o seu meio primo, os quatro iam juntos para todo o lado e passavam bastante tempo a jogar futebol. Tendo em conta que permaneceram todos na mesma turma durante anos, esse quarteto manteve-se junto quase que inconscientemente. Bastava tocar para fora e iam os quatro para algum lado, não alienando o resto das pessoas existentes. Ia com o seu meio primo todos os dias para as aulas, desde a primária, entravam na mesma paragem de autocarro e iam embora sempre os dois. Coisa que se manteve como algo diário até ao seu 11º ano escolar. A meio do básico, como o dinheiro não era muito e não havia leitor de cds em casa, pedia a outras pessoas para lhe gravarem cassetes de bandas que tinha curiosidade de ouvir como Metallica ou Offspring e longas tardes se passaram deitado no sofá enquanto ouvia sempre as mesmas músicas. E deixou de ouvir os vinyls do pai dos Passarinhos a bailar, Pink Floyd e hits dos anos 80. Nunca andou á porrada com ninguém, mesmo quando havia todo o tipo de gozo ou ameaças sobre a sua pessoa. Ganhou uma vez um concurso de flauta e recebeu como prémio uma harmónica, por mais irónico que pareça. Os dias, esses eram passados, ora na escola, onde as aulas eram algo que umas vezes mais que outras passavam rapidamente, e o intervalo era sempre ocasião onde acontecia sempre alguma coisa, ora em casa matando tempo.
Já em casa, comia, dormia e pouco falava, porque com o tempo, foi perdendo a capacidade de demonstrar qualquer tipo de afecto ás pessoas, sobretudo quando os pais discutiam semana sim, semana não, ao ponto do próprio pai não ir trabalhar quando mais se precisava de dinheiro. E isso baralhava-o bastante mesmo que não levantasse nenhuma pergunta a alguém. A avó, que morava ao lado do rapaz, ia começando a ficar doente e ao mesmo tempo o pequeno não a abraçava ou se sentava no colo dela como outrora fazia. A avó chegava-lhe a perguntar se ele já não gostava dela e chorava enquanto ele lanchava, não lhe dizendo uma palavra. Diversas vezes. Coisa que o iria perseguir mais tarde.
O quarto tinha uma alcatifa azul e era bastante pequeno. Levou muitos estalos enquanto escondia a cabeça na almofada naquela cama velha pelas asneiras que costumava fazer ou pela maneira que simplesmente era. Mas esse mesmo quarto com o tempo serviu como lar ao seu primeiro felino. A chica. Uma gata dada por um amigo da mãe e que adorava dormir aos pés do rapaz. Passaram uns bons 3 anos os dois colados. O dono chegava encantado a casa para ficar abraçado e dormir com a gata e ela não se fazia de difícil. Gostava de subir para o armário porque tinha medo de relâmpagos, era alvo de constantes tiros de vizinhos que chegaram ao ponto de lhe cegar um olho. E um dia morreu. Sendo talvez a primeira coisa mais triste que ja tenha sentido.
O rapaz foi crescendo, sem muita confiança com alguém, somente com as pessoas que o conheciam de infância e mesmo assim nunca lhes confessou como gostava da companhia deles. Não porque não quisesse ou se julgava melhor que todos os outros, mas com os seus 13 anos, assim como mais tarde, pensava sempre que não havia muita gente que era capaz de querer realmente estar com ele, porque quem conhecia só estavam porque conheciam alguém que ele conhecia.
Descobriu o sexo tão rapidamente assim como o esqueceu. De tal modo que à medida que a idade ia aumentando, o rapaz ia pensando se gostava realmente de raparigas, sobretudo quando toda a gente que o rodeava já tinha tido mais do que uma espécie de namorada e ele nunca sequer tinha ponderado semelhante coisa. Era algo que não lhe passava pela cabeça. Até ao dia que uma rapariga que nunca tinha reparado que existia disse que o queria conhecer. Mesmo assim, a vontade de ter que passar os intervalos com alguém que não conhecia de lado nenhum, sobretudo uma rapariga, na qual a sua definição eram pessoas que riam enquanto diziam que ele precisava de se alimentar, não era muita, ao ponto da rapariga ter que combinadar hora e local para tentar beijá-lo e ele não ter ido. Assim, o tempo levou o interesse da rapariga embora.
As pessoas com quem passava o tempo iam conhecendo outras pessoas e o rapaz ia ficando no seu espaço que se tornou de tal maneira grande que pela primeira vez reconheceu que todo este tempo tinha andado sempre um pouco sozinho. Mas toda a gente tinha uma opinião diferente sobre ele. Ora era estupido, ou simplesmente estranho. Simpático ou apenas calado. Mas todos tinham uma opinião que ele era incapaz de dizer qual a certa ou a errada, tornando-se aquilo que era para os outros.
Já no fim do básico, mostrava interesse na disciplina de história porque a professora gostava de brincar com ele e o seu colega de mesa, o rapaz do outro lado da vila que conheceu quando entrou para aquela escola. Algumas pessoas que conheceu na primária ficaram para trás e outras novas entraram. Mas no fundo, nada tinha mudado. E quando entrou para o secundário o seu meio primo continuou na sua turma. Os outros dois amigos foram para turmas diferentes e todos costumavam encontrar-se no intervalo da nova escola. Era tudo novo mas de alguma forma desinteressante. Conheceu outra pessoa que mostrou o minimo interesse em falar com ele que curiosamente morava perto da sua casa, mesmo que no fim esse amigo se tenha mudado com a familia para angola, perdendo o contacto com ele para sempre. Até ao dia que recebeu uma carta com 40 doláres para comprar e lhe enviar alguns cds, coisa que nunca chegou a fazer, mesmo que tenha comprado os cds e com um peso na consciência deixou o tempo passar e os cds por enviar.
Naquela altura, o rapaz conheceu uma rapariga que falava com ele sempre que podia e pela primeira vez o rapaz foi mantendo contacto com uma pessoa do sexo feminino. Ele ouvia os problemas que lhe eram apresentados e ajudava no que podia, sem qualquer das intenções. Mas um dia recebeu um beijo. Poucos dias se passaram, mas o rapaz deslocou-se á cidade da rapariga a pedido dela no dia dos namorados e com ele levou uma pequena lembrança. Nesse dia, após o reencontro e uma troca de lembranças, estavam a tentar entrar numa discoteca qualquer juntamente com duas amigas da rapariga, apareceu um grupo de rapazes que os levaram para um sitio onde conseguiram entrar. Lá dentro, a rapariga que o rapaz beijou, disse que não queria nada com ele e foi para outro piso com um dos rapazes do grupo que tinham conhecido e passou a noite com ele. Foi uma longa noite onde o rapaz ganhou um certo medo a raparigas.
As semanas seguintes, foram passadas em silêncio total mesmo até com o seu meio primo, pelo choque de tais acontecimentos que só o fizeram pensar como realmente conseguia ser desnecessário. Os pais conseguiram arranjar dinheiro para um computador e não tardou até que o rapaz descobrisse a internet e toda a música que conseguia imaginar. Ao mesmo tempo, na sua nova escola, conheceu outro rapaz de outra turma, descontente com o que estudava e enquanto os dois faltavam a aulas repetetivamente, resolveram os dois voltar para o 10º ano estudar a mesma coisa.
Foram tempos diferentes onde conseguiu conhecer outra pessoa com aspectos em comum sobre coisas que ia adquirindo e mesmo não estando na mesma turma que o seu meio primo, não o impedia de combinar passar tardes inteiras na casa dele nem que fosse só a falar.
Nesta altura da adolescência, o rapaz não mantinha qualquer relação com as pessoas que viviam em casa dele e como um bloqueio, via-se incapaz de mudar seja o que fosse, mesmo que tal coisa o prejudicasse como prejudicava. A sua mãe encontrou um gato já crescido na rua que costumavam chamar tareco. E a casa do rapaz foi o lar do gato durante um mês. Tempo que o gato aproveitou para comer e dormir durante o dia. Durante a noite saía e só aparecia ás 9 da manhã. O Tareco tinha uma postura tão independente que nem uma festa deixava fazer no seu pêlo branco. E no final do mês, após umas lutas com os gatos vizinhos, nunca mais voltou.
O rapaz, com o seu meio primo, foi descobrindo as belezas do álcool e como esta e aquela bebida eram capazes de, por vezes fazer esquecer tudo de errado que com o tempo ia pensando sobre ele mesmo e tudo o resto ou que por vezes, ou em certas alturas, reflectir seriamente sobre a vida que até ao momento não tinha começado realmente a viver.
Desenvolveu o gosto pela música e a escrita. Ao ponto de querer ter vivido nos anos 50 e ter conhecido ou até viajado com o Kerouac. Comprou uma guitarra eléctrica usada, na altura, por 18 contos, mas só meio ano mais tarde lhe deu uso, quando teve dinheiro para comprar um amplificador, começando a tentar aprender sozinho. Já nessa altura, o rapaz conheceu uma rapariga que o tempo lhe mostrou como gostava de falar com ele. Despercebido e talvez um pouco parvo, o rapaz nem se apercebia a vontade que a menina com quem falava tinha de estar com ele. E só foi capaz de descobrir, quando uma vez, numa sessão de cinema que nunca mais foi capaz de esquecer, a rapariga frustrada perguntou se podia dar-lhe a mão e os dois lentamente e suavemente foram descobrindo a pele suave de ambas as mãos. Por momentos foi capaz de esquecer qualquer má experiência e só se sentiu absorvido pelo cheiro da pessoa que inesperadamente lhe ofereceu os lábios num momento tão único que mais nenhuma história será capaz de contar. Foi a partir desse dia que os dois começaram a acordar pela manhã sorridentes. O rapaz acordava pela manhã com uma paz que nunca tinha sentido desde que se lembrava dele mesmo. Era como se as ruas que ele se fartava de caminhar desde sempre tivessem novas cores, quando se lembrava dos olhos que o olhavam com tanto carinho. Por mais cliché que lhe pudesse soar, sentia-se alguém, como se lhe tivessem encaixado uma peça que nunca tinha encontrado, sentia-se completo, talvez por sentir pela primeira vez algo que nunca tivesse sido capaz de sentir nem por ele próprio.
E vieram as sessões de cinema intermináveis e os longos passeios a pé onde por vezes se perdiam objectos que o rapaz insistia em procurar e dá-los como surpresa no dia seguinte. Vieram umas férias inesqueciveis, onde tanto o rapaz como a rapariga ficaram longe de tudo e todos e viveram durante um mês numa aldeia feita de ruas de pedra, estreitas, por onde passeavam á noite, depois de um jantar a dois. A vida do rapaz tinha um sentido e de repente era tão bom sair á rua, como adormecer sabendo que não estava sozinho. Sentimentos que o levaram a pensar e sentir as coisas mais loucas. Desde a perceber como também provou o amor que nunca tinha visto em lado algum, finalmente tinha-se sentido sexualmente atraído por alguém. E era tudo o que queria. E isso manifestou-se de todas as formas possiveis. Desde a um simples olhar a um simples toque, sempre na esperança que fosse o suficiente para dizer o que muitas vezes é mais bonito de se dizer sem falar. Convenceu até o seu meio primo e o rapaz que mudou de turma com ele a irem com ele á porta de casa da rapariga segurar um lençol com letras enormes enquanto o rapaz esperava a rapariga na escola dela, no seu dia de anos. E por mais lamechas que pudesse parecer, não havia nada melhor do que ver aquele sorriso na cara dela.
Mas ao mesmo tempo, a avó do rapaz foi tornando-se cada vez mais doente. Ao ponto de já nem conseguir falar ou sequer mexer. E não houve pior coisa para ele do que vê-la na cama de um hospital a olhar fixamente para quem á anos que não mantinha uma relação como outrora manteve. E chorava, sem dizer uma palavra que fosse enquanto a mão dela tentava apertar a dele com aqueles olhos que mal pestanejavam, como se estivesse a tentar dizer alguma coisa. O rapaz sentiu-se um nada sendo incapaz de dizer uma simples frase, demonstrando qualquer tipo de carinho. E afectou-o de tal maneira não controlava a sua reacção perante o dia a dia. E simultaneamente, a rapariga que tanto o completava, sentia-o cada vez menos, mesmo que no fundo ele sentisse tudo o que sempre sentiu e acima de tudo ajuda, mesmo que não lhe confessa-se seja o que for. E ele refugiava-se em qualquer coisa que fosse capaz de o ouvir. Até que ela decidiu ir embora. E levou com ela todos aqueles anos. Como se alguém, calmamente caminhasse até um muro de memórias que o tempo construiu e com um sopro, o derrubasse. Para melhorar a situação, o episódio repetiu-se, mas desta vez viu alguém que lhe era realmente alguém virar costas praticamente na troca por outra pessoa. E não adiantava chorar ou gritar, porque ninguém ia entender. Mas nada o impediu de fazer tudo isso e muito mais. Passado uns meses, já com ambas as pernas amputadas, a avó faleceu. E o rapaz sentiu sob ele a pior das angústias e desesperos, sobretudo quando nunca, nunca foi capaz de confessar como gostava dela, quando ele sabia que ela merecia tanto ouvi-lo. Pela primeira vez, o rapaz viu pessoas que nunca tivera visto chorarem, como o seu avô ou o seu pai, até o seu tio mais novo. A mãe não conseguiu ir ao funeral. E os dias que se seguiram só aumentaram o vazio que o amor que o rapaz perdeu já tinha aumentado. O rapaz tinha todas as razões e mais algumas para se sentir a pior coisa que podia existir.
Lentamente, mas nunca deixando de sentir diariamente tudo de errado que havia para sentir, o rapaz foi lidando com o dia a dia. Os despertares sorridentes foram substituidos por outros piores que outrora podiam ja ter existido e as noites pareciam não ter fim. Porque tentava-se fugir ao dia dormindo e a noite passava-se em branco. A rapariga voltou, com algumas dificuldades, trazendo de novo aquele sentimento que misturado com a presença, o cheiro e o toque o fazia sentir em casa. Mas por pouco tempo porque mais uma vez, viu-se sem ela. E foi talvez ainda pior. Viu-se sozinho e vulnerável de novo, incapaz de mudar seja o que fosse, porque se dependesse dele, as coisas voltariam a fazer sentido.
Poucas semanas depois, conheceu um rapaz que apenas conhecia de vista da sua escola. E a empatia foi tal que não tardou um apoiar-se no outro, fosse em que assunto fosse, ao ponto de partilharem a mesma cama durante os fins de semana e as noites fossem sinónimo de abstração do inevitável amanhã. Os dois não procuravam alguém ou alguma coisa, talvez apenas um sitio. Para lá ficarem a divagar sobre tudo o que os levou até ali. E ora choravam, ora riam sem parar.
Foi então que o rapaz adoptou mais um gato, que apelidou de Bob, um recém nascido com um mês que mal se conseguia alimentar e nem a miar tinha aprendido. E foi crescendo, acompanhando o rapaz nas suas noites sem sono, sendo mais do que uma boa companhia.
Passado um tempo, um primo do meio primo do rapaz, despertou-lhe o vício pela pesca e foram muitas as tardes que aqueles dois passavam em frente a um pequeno rio nas muitas florestas da vila. Algumas pessoas ouviram dizer que o rapaz tinha aprendido a tocar guitarra e surgiu o convite dele, pela primeira vez tocar com alguém. E assim foi, entre barracas de coelhos e galinhas, o rapaz caminhou até uma sala improvisada com bateria e baixo, instalando a guitarra e o amplificador para de vez em quando fazer algo que lhe dê realmente gosto fazer. Até um dia que o meio primo do rapaz ficou no hospital. E entre as muitas visitas que o rapaz fez, sempre rindo e tentando dar boa disposição ao seu meio primo que lhe pedia sem parar para lhe fazer crepes, na semana do seu aniversário, o seu meio primo desapareceu. Foi quase impossível de acreditar que tal coisa tivesse acontecido, tal pessoa que conhecia tão bem o rapaz tivesse desaparecido. A única pessoa que o rapaz conhecia desde que se lembrava dele mesmo. E no dia do aniversário do seu meio primo, enquanto caminhava, carregando o seu meio primo lentamente, o rapaz chorou desesperadamente em frente de todos o que o conhecem de vista desde pequeno, enquanto via o seu meio primo que considerava um irmão de uma maneira que nunca sonhou poder vê-lo. Seguiram-se os pesadelos constantes, juntando-se aos da sua avó também. De conversas, de simples sorrisos e daquele peso no peito pelas únicas pessoas que viram verdadeiramente o rapaz crescer.
Desde então o rapaz percebeu que talvez, por tanta ânsia de viver, talvez já tenha vivido ou sentido mais do que consegue suportar e desde então tem passado os dias, só. Assim. Sem viver. Apenas tão mentalmente cansado de toda uma rotina tão dolorosa que as dores se manifestam fisicamente. Sentiu tudo o que alguma vez quis fugir.
E como todas as histórias têm um fim, esta deveria ser a altura para tal.

sábado, novembro 25, 2006

Paranóia

Não queremos acordar ninguém, mais vale não entrar. É melhor ficar á porta e com um pouco de sorte chove para criar mais drama. E com este céu nublado quem prefere estrelas que magoem os olhos? Somente um louco que se queira resumir a si mesmo, desejando um brilho que nunca vai ter.
Mais vale ficar neste silêncio, com este ou outro grupo de gatos que por vezes dobram a esquina. E para quê o nevoeiro, se podemos ver horizontes infinitos que nunca conseguiremos alcançar. É, mais vale brincar com os pés que tocam no chão ao ritmo que se vai ouvindo na cabeça e com um pouco de sorte chove para conseguirmos ensopar as sapatilhas gastas. E com uma noite destas quem prefere a agitação do dia que bem lá no fundo de agitado não tem nada? Somente um megalómano inconsciente da sua ignorância, desejando tudo do constante nada que até agora foi capaz de criar.
Mais vale ficar a ouvir a conversa do consciente, com uma ou até mais vozes que não se calam por muito que possámos querer. E para quê gritar, se podemos guardar este momento para sempre, mesmo que não sirva para seja o que for. É, mais vale brincar com as pontas dos dedos que se tocam lentamente para ver se ainda se sentem, nas luvas de vagabundo compradas numa loja qualquer.
E com esta serenidade nocturna, que no fundo não deixa de ser um vulcão de emoções invisíveis ao olho nu, quem prefere um colchão para se deitar e para voltar a ter um dia como tantos outros? Só um fraco, incapaz de se enfrentar a si mesmo e que gosta de dizer que nada o consegue quebrar.
Mais vale ficar imovél ao ponto de sentirmos o nosso próprio sangue circular, para que sejámos capazes de nos lembrar que ainda funcionamos minimamente. E para quê recusar a existência, se a única coisa certa que temos na vida é a morte? É, mais vale brincar com o cabelo e sentir se já está na altura de o lavar, já que não há luz para ver se o cabelo escureceu de novo. E com todo este silêncio, com o seu ruído tão agudo, capaz de magoar os tímpanos e que lembra o cérebro a trabalhar como um frigorífico, quem prefere outro som qualquer que distraia de tal maneira que nos faça esquecer que existimos. Só um altruísta, capaz de abdicar dele mesmo perante tudo o resto e esses já só existem em páginas gastas pelo tempo.
Mais vale ficar aqui, sentir o corpo que não se mexe um centímetro que seja, onde apenas o olhar consome todas as cores e formas que lhe são apresentadas para além de todas as outras memórias que a mente é capaz de apresentar na tela negra da consciência. É, mais vale ficar aqui quieto, deixar os outros dormir e com um pouco de sorte chove para ver se ainda somos capazes de nos sentir limpos.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Percebes?

Agora mesmo.
Pode acabar tudo aqui. Neste último olhar, no silêncio do meu pensamento. Falta-me egoísmo e isto não é uma qualidade.
Estou cansado de estar cansado e a verdade aos poucos foi ganhando o sabor amargo da mentira, talvez por ser ingénua demais. Perdeu-se o dom da inocência quando tudo o que tocou em nós até hoje se tornou em simples interesses. E tudo nos obriga a pensar dessa maneira, mesmo que tenhamos a certeza e a razão seja baseada na experiência. Dispenso qualquer tipo de intriga ou julgamento.
Envelheci e por muito que o mundo tenha para mostrar, não sou capaz de desenvolver qualquer tipo de enzima que me desperte o interesse em conhecer seja o que for. Sobretudo quando tudo o que nos rodeou, na maior parte do tempo, tenha sido destruição. Desde a mais física, passando pela social, interior ou até, como um espectador enojado, global. E por mais estúpido que possa soar, ganho a inútil vontade de pedir desculpa seja lá pelo que for a qualquer pessoa com que me tenha cruzado. Por muito mal que me possam ter feito ou pela ajuda que me possa ter dado com um simples e sincero olá. Talvez a consciência parasse de construir a cruz que já não aguento. Ou somos todos o resultado de quem vê televisão a mais, romantizando a vida e quando somos capazes de avaliar a nossa, toda ela não passa de um desperdício de tempo. Mas eu não gosto de televisão a esse ponto. Gosto da vida, por mais irónico que possa parecer. Das ruas movimentadas ou abandonadas, de um céu iluminado por um luar capaz de nos guiar numa floresta qualquer ou da chuva que cai numa tarde de céu cinzento. De sons e silêncios, risos compulsivos e despreocupados. Tanto mais que perco a paciência, sabendo ser impossível referir tudo o que se é capaz de sentir através de um momento tão natural.
E talvez não seja de hoje, mas este novo século trouxe um punhado de gente que parece gostar de sentir forçadamente para entrar no barco dos que estão à margem da vida regida pelo relógio. A notícia é que, nenhum dos que estão à margem se dizem melhores que alguém. Não há elites, muito menos snobs. Nem bares da cena, conversas pré-definidas ou pulsos que sangram por atenção. Há dor, diferente da que se sente num funeral, no desemprego ou na falta de saúde. Há um desespero continuo e um desencaixe social progressivo. Há a angústia pelo sentimento de insuficiência, que se vai tornando insuportável.
Mas isto não é ser fraco. Ser fraco é aceitar a vida como ela é.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Scentless Apprentice

Vá lá, continuem. Mas deixem-me com a loucura que faz o meu sangue ferver. Sou a doença contagiosa que apodrece o vosso sistema, o grito que ouvem na rua pela madrugada, o partido que nunca quiseram para os vossos filhos. Acreditam na liberdade? Mostrem-ma! Não a conhecem!
Não vos peço uma moeda nem preocupação, meus queridos. Mas já chegaram ao i de integridade no vosso dicionário de bolso? Olhem para mim! Olhem bem para mim e façam aquilo que fazem melhor: Julguem-me! E riam ou lamentem. Pois eu nasci para quebrar o conceito de normalidade. Sou o vosso anormal preferido. O rei dos anormais. De corpo e mente. Agora usem-me. Mostrem-me a todos que conhecem como o objecto de pura inutilidade e orgulhem-se disso. Ou afastem-se só para não sentirem o meu cheiro. Conheço todos os vossos pequenos segredos. Sobretudo que têm determinados segredos que não querem que se revelem perante todos. E reconheço que desconhecem a vossa ignorância, que no fundo ainda vos torna estranhamente superiores.
Mas eu não tenho nada a esconder. Ofereço-vos o sorriso mais irónico. E isso dá-me o direito de gritar obscenidades nos vossos ouvidos. De fixar o meu olhar no vosso como se quisesse alguma coisa vossa. Porque serei sempre a voz acima de qualquer lei. A voz da livre expressão do individuo.
E quando me acharem a criatura mais nojenta que conseguem imaginar, lembrem-se que todos vocês já acariciaram o vosso próprio sexo e utilizaram as mesmas mãos para tocarem em tudo e todos à vossa volta.
Tenham um bom dia.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Tristeza

A cidade estava bonita. Molhada e cinzenta.
O sol não apareceu e os carros andaram o dia todo com faróis ligados. O fumo das castanhas surgia de todas as ruas de onde entravam e saíam pessoas com roupa de inverno. Os autocarros seguiam o seu curso, os bombeiros acorriam a pedidos de socorro e a polícia patrulhava as ruas. E no meio de tudo isso, lá caminhavam eles.
Uns com um olhar preso no chão, outros que rasgam a multidão como a desafia-la e ainda os que vão-se deixando caminhar pensando mil e uma coisas, divagando na sua droga de eleição. Há quem se sente em qualquer lado, olhando quem passa e quem se esconda no beco mais abandonado, e numa ou outra ocasião há sempre uma senhora de família que passa e como um lamento num tom superior diz: tristeza. E por mais desconhecidas que lhe sejam as verdades, a senhora tem a razão. Nós somos quem costumam ver nas vossas ruas, mal vestidos, imprevisiveis, deliquentes, os que nunca serão nada na vida, para sempre jovens adultos. Mas nós optámos por não ser seja o que for perante a vida que é rápida demais para ser vivida, sem tempo para sentir realmente o que é viver. Somos aqueles que nada dizem e nada cobram, mas conscientes da falta de personalidade, da falta de intelecto e ideais de uma sociedade unida apenas por dinheiro, leis e horários. Nós não somos pessoas, muito menos gente, somos individuos que lutam, mesmo que o façam dentro do seu próprio pensamento, perante o mundo como ele se tornou. Material. Superficial. Preconceituoso. Enfadonho. Somos quem somos e como somos porque somos livres. As nossas roupas não foram feitas para impressionar, a nossa orientação sexual não foi feita para julgar, a nossa música não foi feita para chocar, a nossa maneira de ser não foi feita para receber qualquer tipo de holofote, tudo provém da naturalidade, da espontaneidade, da indignação, da melancolia, da apatia, do desespero... Nós somos a tristeza em pessoa. Somos a elite que não foi feita para vencer, a elite que nunca fora referenciada ou planeada, a elite moldada pelo tempo e por tudo o que ele trouxe e levou.
Somos a elite derrotista de quem nunca ninguém falou.
Partilhámos apenas cidades e acabamos por caminhar a mesma rua. A que transpira angústia e nos lá prende. Vagueamos pela cidade quando todos dormem, sentindo no íntimo a beleza que cada rua cerrada de nevoeiro numa cidade adormecida oferece e dançamos como se fossemos cair a qualquer momento numa adrenalina descomunal. Lutamos em silêncio por uma liberdade que desconhecem, sofremos em silêncio por um vazio que não sentem. E que se fodam os sexistas, que se fodam os homofóbicos, que se fodam os pedófilos, que se fodam os preconceituosos, que se fodam os egoístas, que se fodam os arrogantes, que se fodam as políticas, que se fodam as religiões, que se fodam as críticas, que se fodam os falsos, que se fodam os invejosos, que se fodam os gananciosos, que se fodam os que pensam o que for sem saberem porque o pensam ou que defendem algo que inconscientemente contradizem. E que se foda a vida como a conhecem.
Não existimos em grupo, não marchamos ou cantamos, estamos todos espalhados em silêncio, mas existimos, somos reconhecidos pelo olhar. Porque caminhámos nas vossas ruas e quando olhamos nos vossos olhos, gritámos num pensamento indignado: tristeza!

segunda-feira, setembro 25, 2006

Hoje é o melhor dia para morrer

Hoje é o melhor dia para morrer. Nada melhor como me despedir em glória na minha derrota.
Como um aceno a tudo o que passou, num sorriso sincero e uma derrota aceite em mim. Por tudo o que por mim passou e se foi, por tudo o que em mim se sentiu e se diluiu na derradeira derrota de um ser. Como as nostalgias de uma infância despreocupada onde o mundo se resumia a um quilómetro quadrado de casa, desde á adolescência sem travões mergulhada num mundo cinzento. Adeus ás madrugadas de nevoeiro cerrado, metrópoles vazias e silênciosas. Adeus quartos pintados pela dor que nos acompanhou, despertares apáticos e solitários. Não há nada mais que possa esperar para recear, acaba aqui. De nariz bem erguido e um pequeno e irónico sorriso na face, à espera daquele último segundo, num olhar distante: Acabou.
Todas as roupas que eu já vesti e todas as recordações que tinha quando as vestia de novo, em todos os lugares que estive... Todos os álbuns que eu já ouvi, num carro sem destino ou na minha cabeça a caminho de algum sítio... Todas as pessoas que já cumprimentei, olhei e sorri, como qualquer pessoa na rua, as pessoas que poucas vezes me cruzava até as poucas que me conheciam realmente... Todos os escolas que frequentei, todos os autocarros que andei, numa rotina constante até ao seu último dia... Tudo isso presente na consciência tão intensamente... Vivi tão rápido. Tudo isso acabou.
Agora sou capaz de afirmar que me tornei um espectador deste teatro. Farto de conhecer figurinos com as suas fatiotas que variam de tamanho de tecido, padrões e cores com o passar dos anos. Farto dos cenários que se repetem vezes e vezes sem conta, restando apenas eu, caminhando entre tudo e todos com mil e uma memórias enquanto tudo o resto, seja em que local for, se recolhe para aquilo que chamam casa para recomeçar tudo de novo amanhã. Como a tentativa de se aproximar daquela rapariga mesmo que essa seja comprometida, a ânsia de comprar um carro novo para substituir o que foi destruído, a vontade de jogar aquele jogo, comprar aquele telemovel, comer aquela comida, ouvir aquela música, ver aquele filme, humilhar aquela pessoa, foder aquela amiga daquele amigo. Ou então estudar, para estabelecer uma vida e casar com alguém exactamente como nós, com um curso melhor que o nosso, para criar descendência, passar a tradição religiosa ao filho enquanto a mulher fornica o patrão e o marido passa férias com os amigos e traí a mulher com uma qualquer. E em casos raros, amar, para atravessar a vida de mão dada e um sorriso estampado no rosto, pelo peito se encher de uma felicidade doce e terna, que nos lembra todos os beijos, todos os olhares, naquela tarde, naquela noite, em casa, enquanto faz frio lá fora, no mar, enquanto o sol cai. Que nos lembra o toque da pele, uma na outra, em mais uma cama, as coxas e os troncos, as respirações e os olhos apaixonados. Tão apaixonados como o caminhar, para qualquer lado, no desejo de encontrar um canto para criar um mundo completamente á parte. Uma casa, um apartamento com duas divisões, as roupas rascas, os vinyls antigos, na baixa de uma cidade qualquer, numa vida em pleno conforto com a nossa pessoa, amando tão naturalmente e intensamente, quem dorme abraçado ao nosso corpo quando acordámos todos os dias. Por reconhecer que a pessoa ao lado é a melhor pessoa que se possa conhecer, que nos sente da mesma forma e que quando olha ao seu redor, o olhar é o mais bonito e querido que possa existir perante tudo o resto.
Tudo existe. Eu observo, após a derrota. Sabendo como tudo funciona, como tudo nasce, vive e morre. E quando os dias são a sucessiva repetição do que há para sentir, escalamos a multidão adormecida até ao topo e de nariz bem erguido num pequeno e irónico sorriso na face, ficámos á espera daquele último segundo.

sábado, setembro 16, 2006

"Então senhor Bruno, como passou?"

Lerei em voz alta, mesmo que o teu silêncio me magoe:

Estou á espera que me batam à porta e me esperem com um sorriso seguido de um abraço apertado em vão. Que venha a dor de tudo perder. Por mais que adormeçamos com o desejo de amanhã ver alguém que desapareceu, esse alguém nunca voltará. A voz, o olhar, o sorriso, os gestos, nada voltará. Apenas a saudade dolorosa de tudo o que se perdeu.
O dia nasceu calmo e silencioso, nem os passáros cantaram, nem o sol nasceu radiante e com vida. Limitou-se a nascer, na mesma serra de sempre e com o tempo ergueu-se lentamente. Nem estava quente nem frio, tudo seguia o seu curso silenciosamente. Só o teu nome, vezes sem conta, escrito na parede negra do meu pensamento. E o peso no peito, como se o coração estivesse a cair no vazio que hoje me criaste. Volto a ser criança e vejo-te da janela da minha antiga cozinha, a caires da tua bicleta e com o teu queixo ensanguentado a chorar. Com um avental estancam o teu queixo e abraçaste à cintura da minha avó em dores. E como um sonho, visito-te com jogos e ficámos tardes a jogar mega drive em tua casa, por vezes amuados um com o outro, por alguém ganhar mais vezes. E voltámos a lanchar, em cozinhas antigas o pão que o padeiro trazia a meio da tarde e um copo de leite com chocolate que na altura nos satisfazia mais do que qualquer coisa. Fomos vendo os nossos traços a desenvolverem-se, eu sempre fui o magrinho que não conseguia engordar. Caminhámos sempre juntos para o meio de rapazes e raparigas em diversas escolas que o tempo tornou-os como nossos conhecidos. Tu eras sempre o guarda redes e eu alguém que tentava pontapear uma bola.
Nunca me chateei contigo. Nunca. Nem quando não passávamos de crianças com um mundo por conhecer ou adolescentes com um mundo que lhes caía em cima. Mudámos de penteados, ambientes, conhecidos e amores, mas continuámos sempre os mesmos. Nem o tempo foi capaz de quebrar o que inconscientemente construímos. Apanhávamos sempre o mesmo autocarro, caminhávamos sempre a mesma rua, umas vezes com conversas mais semelhantes a outras mas nunca fomos capazes de nos afastar. Mexe-te! Levanta-te daí! Deixa-me apodrecer em mim mesmo como sempre tão bem o soube fazer mas não me persigas em sonhos que me acordem durante a noite.
Mexe-te! Ouve-me! Mexe-te! Pára com esse teu silêncio insurtecedor! Quero que me convides para mais uma partida de bilhar e me afastes das trevas que eu próprio semeei. Mas mexe-te! E não me abandones aqui enquanto quieto caminhas em direcção à terra que te comerá. Acorda e ri-te das lágrimas que nunca me viste derramar por ti ou de tudo aquilo que nunca te cheguei a dizer. Ninguém merece que o seu funeral seja no próprio aniversário.
E tenho tantas fotografias tuas cá dentro. Como tu, ao longe em mais uma manhã mergulhada num nevoeiro, a chamar por mim, de mochila ás costas, a caminho da paragem do autocarro. Ou o segundo antes de desviarmos o olhar um do outro, quando a estrada nos dividia cada um para sua casa. O teu rosto. Umas vezes mais sorridente que outras. Até mesmo quando segurava o teu corpo sem força, enquanto vomitavas depois de mais uma noite cheia de alcóol. As festas de aniversário que tinhas, quando éramos mais novos e recebias sempre algo que ansiavas por parte dos teus pais. A felicidade intensa presente no teu e no meu olhar, quando riamos de alguma piada que criavamos ou de quando recordávamos algum programa que tinhamos visto. Mesmo os teus sermões sarcásticos quando ias ter comigo atrás de um pavilhão qualquer enquanto fumava e faltava ás aulas.
"Então senhor Bruno, como passou?"
"És um anjinho!"
"Vai uma aposta?"
"Os teus crepes são uma merda"
"Ouvi dizer que hoje à tarde vens a minha casa"
"Eu espero por ti na paragem"
Uma imensidade de sons e imagens guardadas em mim. Partilhámos o mesmo sangue. Partilhámos uma vida. E isso, nunca me vou esquecer. Só não queria estar aqui para te ver partir antes de mim.
O céu estava limpo e nenhum pássaro ou qualquer nuvem se atreveu a rasgá-lo. Não haviam borboletas ou flores por desabrochar. Não se viam casais de mão dada passeando, nem se ouviam carros ou risos distantes de criança inocentes. Foi um dia de luto por ti.

segunda-feira, setembro 11, 2006

O dia está a começar de novo

O dia está a começar de novo, mesmo que para mim o sono não tenha chegado.
Vou observando o reflexo do meu rosto, sereno e penetrante, que tanto esconde, enquanto o cigarro se queima sozinho entre os dedos agora adultos e com muitas histórias por contar. Tenho dentro de mim o suficiente para me destruir e no entanto vou vivendo comigo mesmo, destruindo-me num silêncio como este. Sei de cor todas as razões pelas quais sou quem sou e quem nunca serei. Sinto apenas a falta de um lugar que não me conheça como hoje sou ou me faça lembrar de mim mesmo, ao contrário das ruas que todos os dias caminho.
Vou enlouquecendo, numa postura que se ridiculariza a si mesma. E tento escapar a mim mesmo em noites como esta, nunca com um destino traçado. Como neste escritório de uma fábrica onde vou anotando tudo o que existe para sentir em mim e em meu redor.
Todos dormem, uns mais descansados que outros, assim como quem dorme neste preciso momento atrás desta cadeira, no chão, gasto, por tudo o que viveu até hoje. Todos, de alguma maneira, encontram sempre um caminho que hoje vejo como uma mentira que todos preferem acreditar. E até as cores da cidade, as roupas que visto, os rostos desconhecidos com que me cruzo, a maneira como me olho e todas as imagens que levo em mim como memórias, levam para longe a paz que preciso.
Não me entristece o facto de todos os dias terem o mesmo sabor amargo, mata-me a certeza que todos eles me dão e nenhum contradiz. Limito-me a recordar tudo o que passou como um filme, onde hoje sou o espectador que se emociona sempre que se vê a si mesmo numa terceira pessoa que caminha em direcção ao fim, que destrói tudo o que possa ter construido e lamenta, num silêncio doloroso, pela perda da força que precisa para lutar mais um dia. Desistiu e como um castigo, caminha com essa derrota, num peso que aumenta à medida que vê o tempo passar.
Cansa-me pensar no que existe lá fora. Fui conhecendo e compreendendo como tudo é e funciona, de tal maneira, que a realidade me roubou de mim mesmo. Não culpo nada nem ninguém, a não ser eu mesmo, por ter criado o vazio que substituiu tudo o que todos os anos que por mim passaram, trouxeram. Desde os primeiros sorrisos inocentes aos últimos dias que vivi intensamente. Entre essa linha de tempo, existe uma vida que se perdeu. E hoje sou alguém que não espera seja o que for de qualquer coisa, até de si mesmo. Sou aquele que se perdeu.
Tudo o que tocou morreu. Viveu, mas o tempo matou-lhe a vivacidade. Ficou apenas com o seu corpo cansado e a sua mente derrotada. Pagou com a vida quando sentiu a inocência desaparecer. Porque um dia, sem o saber, acreditou que mudaria o mundo. Mundo, que no fim, acabou por o consumir, por tudo o que viu, sentiu e viveu. Será para sempre um livro que fechou e que contará sempre a história mais triste que poderá ser lida.

terça-feira, setembro 05, 2006

Lambendo feridas

Como um animal, quando as luzes se apagam, fica ele lambendo as feridas.
Um vai e vem de sentimentos percorrem o corpo gasto e os gritos são tão intensos que assustam a pobre alma que por ele passa. Os olhos espelham um desespero que se dilui com raiva e a ânsia de viver. O cabelo que fora arrancado com os próprios membros ainda paira no ar e uma respiração ofegante faz-se ouvir. As imagens percorrem-lhe o cerebro e os musculos contraem-se involuntáriamente, adivinhando-se mais uma explosão de dor.
Ouvem-se vozes e sentem-se toques, invocam-se presenças e os punhos cerram-se até o sangue banhar o chão. Não existem portas nem janelas para fugir ao destino que se traçou, apenas a certeza que amanhã terá que lidar com o fantasma que criou de si mesmo.
Brilham os olhos naquela escuridão dolorosa, enquanto se lambem feridas, como um animal.

terça-feira, agosto 22, 2006

Teenage Angst

Leva nele o grito que o libertará perante um mundo que nunca pertencerá, seguido de um choro que o libertará perante a multidão que nunca seguirá.
Esconde-se em florestas, escapando do som dos passos na calçada, dos carros que têm sempre para onde ir e das pessoas que levam nelas a ignorância que deu lugar á inocência de descobrir e viver. Bebe alcóol para não temer o manter de um sorriso natural e fuma substâncias para sentir a dança de uma alma que se afoga numa vida que nunca conseguiu fugir, a não ser lá, longe, no lugar onde não está. Espalha risos quando tropeça e choros quando se confessa quem realmente é, nunca entristecendo a natureza que o rodeia, porque essa é o seu escape. As ruas e os bancos de jardim vazios, até os baloiços e os escorregas abandonados na madrugada, estão prontos para adolescentes que querem sempre algo que nunca conseguem sentir.
O despertar é sempre confortante, quando o pássaro canta e o rio corre, a música ao longe toca e os lábios de um rosto ainda com os olhos fechados, esboçam um sorriso. Vestem-se os calções de ganga que outrora foram calças, as sapatilhas sujas e uma t-shirt velha demais. Acende-se o cigarro e suspira-se por tudo aquilo que se sente e tudo aquilo que não se consegue sentir, a adolescência deve ser isso mesmo.
Porque os olhares comprometem corpos e os sorrisos a alma, não há nada que vagueie no pensamento capaz de corroer mais um pouco um ser que enfraqueceu com o tempo. Caso o vazio se faça sentir, por tudo aquilo que sabemos que nunca morre, existe uma linha de horizonte reconfortante, um toque de pele quente e suave que faz esquecer o que amanhã poderá trazer. Existe sempre a salvação no olhar que substitui qualquer palavra e na fotografia que se tira mentalmente do local mais bonito que se pode estar.
Viaja-se. A alma vai sempre mais além que os passos que se dão e os suspiros sentem-se mais do que qualquer palavra dificil de ouvir. E quando a noite chega, já quando a visão é turva e as respirações acalmam ainda mais, ele senta-se num canto de uma rua qualquer, vendo tudo o resto seguir o seu curso, perto de tudo aquilo que precisa, numa magia inimaginável e reconfortante que o faz sorrir, para não se lembrar do mundo como ele realmente é, lá fora.

quarta-feira, agosto 02, 2006

Adolescentes

Quando acendemos um cigarro a ouvir música ás quatro e meia da manhã durante meses, podemos dizer que há algo de errado, não podemos? Não, precisamos apenas de arranjar um passatempo.
Olá.
Eu não procuro nada, muito menos uma atenção doentia para alimentar um ego que é bonito dizer que não existe. Tenho apenas a tendência de me afastar de tudo aquilo que vejo como é e não me diz nada, mesmo que isso seja o mundo que vejo lá fora e que o pequeno e bonito espaço que todos dizem haver é uma pura mentira fruto de uma esperança ignorante. Desisto de mim mesmo até quando vejo como as pessoas são e insistem em ser uma coisa que não são. Apenas me dou valor quando estou bêbado ou drogado e sinto em mim a vontade de agarrar quem tenho por perto e fugir para longe. Não preciso de diagnósticos psicológicos para me conhecer nem os procuro para me rotular perante o mundo e esperar que ele me aceite como sou. Tanto posso ser odiado ou amado, até indiferente, serei sempre eu próprio perante tudo o resto e não pretendo arrancar sorrisos ou tentar chocar tudo e todos que se possam cruzar comigo, porque todos eles confessam dentro deles mesmo como são bem melhores que muita gente mas preferem dizer que não gostam deles mesmos. Bem vindos à moda intelectual do novo século.
Com a pele de um jovem que sou ou na leito da minha morte, terei apenas uma única certeza.
Sou quem sou e serei sempre feito de mim mesmo.

quarta-feira, julho 12, 2006

Parasita

Sinto-me tão doente que me vejo incapaz de acabar mais um cigarro, mesmo que continue contra mim mesmo.
O silêncio chegou de novo e com ele, todas as paranóias que me levam a desejar o fim que tanto falo e parei de tentar alcançar. De que vale morrer agora com tanto por ver e sofrer, como assim aconteceu até hoje? Gostava que um olhar me beijasse a alma, salvando-me de mim mesmo, mas todos os olhos que vejo na rua estão cegos. Nunca irei pegar num telefone e lamentar-me para alguém, deixo isso para mim mesmo, por mais auto destructivo que seja, sabendo que todas as noites me aproximam mais da dor que carrego em mim. Da dor que sinto nos mais banais dos despertares, nos mais belos dos sorrisos que vejo e sou incapaz de tentar alcançar, nas paredes desta casa carregadas de segredos, ou mesmo até no velhote que pela manhã já se encontra no café a beber sozinho, de fato velho e o seu cheiro a carne que apodreceu.
Nunca ninguém me pediu para sentir, mas hoje em dia ninguém pede nada a ninguém, porque todos têm o direito a qualquer coisa, mesmo que conscientemente causem dor à pessoa mais próxima. Limito-me a observar o curso natural de tudo o que me rodeia e revolta-me que ninguém faça nada para mudar seja o que for. Eu próprio já perdi toda a força que num momento de revolta possa ter ganho, por ter deixado cair o mais belo dos quadros que possa ter desenhado. Vejo felicidade naqueles que vivem numa constante mentira que o tempo lhes ensinou a acreditar e angústia nos que sempre tentaram de algum modo alcançar algo que desde sempre faltou. Caminho entre todos eles em silêncio, sempre na esperança de não perturbar seja quem for que me possa magoar mais tarde. Levo nos olhos a dor que guardo em mim e que não desaparece, mesmo na alegria dos pequenos pormenores que não são incapazes de escapar. Como a pequena criança loira e irrequieta, vestida de marinheiro por uns pais que nunca irão adivinhar o que ela poderá sentir nas primeiras decádas de vida, no tempo cinzento que é incapaz de trazer a tristeza de uma chuvada e a alegria de um sol radiante, ou até no meu gato que me sobe até ao ombro e ali fica sentado, olhando pela janela enquanto escrevo.
Cada dia que chega é mais um recheado de pensamentos que se tentam decifrar, quando todos eles se repetem rapidamente, como uma mensagem escondida numa música antiga que é tocada ao contrário. O único conforto que sou capaz de sentir, é o de saber que não arrasto ninguém no pesadelo que vivo quando deixo o mundo de sonhos que me perturbam. Não obrigo ninguém a sentar-se na ponta da cama, tocando-me no ombro, pedindo calma, quando luto entre os lençóis comigo mesmo sem me mexer, mesmo que por vezes o desespero me leve a querer alguma entidade disponível. Sou capaz de me sentir cansado de gritar sem usar a voz. Sou um simples parasita de mim mesmo, corroendo a própria alma até à exaustão física e mental. E hoje, assim como ontem, sinto-me cansado de me ter como me sou, sabendo que não vale a pena combater numa luta que lá fora, ninguém, se apercebe que existe.

domingo, julho 02, 2006

Loneliness

Mary Jane said life's a wait
I already knew
Because we're down
We'll lose the town
Just like I would choose

Mary Jane said minds are games
I went to the moon
Before we know
She'll have to go
Wish I were there too
But I've got to go

Mary Jane

Mary says
I, I can love you
Life's a wait
Why, why should I lose
When I've got to go


The Vines, Mary Jane

quinta-feira, junho 22, 2006

Noites

São duas da manhã, pego numa bicicleta que me emprestaram e saio porta fora na esperança de encontrar algo mais do que a dor que tenho em mim.
Viajo entre estas ruas, típicas de uma vila, que neste momento estão mergulhadas pela escuridão que as adormece e abre caminho para todos aqueles que procuram algo mais do que aquilo que um simples navegar em plena madrugada pode trazer a qualquer pessoa que é capaz de ser feliz num mundo de ilusões que se vivem diariamente. Pedalo lentamente, reconhecendo todas as ruas que parecem ganhar um encanto que escondem durante o dia. Os gatos que caminham em grupo fogem para os becos e ficam ali, ver-me passar com um pequeno sorriso, de quem fugiu de uma casa que traz todas aquelas recordações que doem e que temos constantemente em mente nestas noites solitárias que nos afogam em nós mesmos.
Vou subindo a rua que me vai dar a vista que mais posso desejar numa noite tão silênciosa onde sou capaz de ouvir dezenas de conversas que possa ter tido ou ouvido e em mim estejam guardadas. Suspiro ao sentir que tudo o que me rodeia dorme e eu vou vivendo, viajando, até onde desejar, com uma angústia que é capaz de me dominar quando, sozinho, no quarto, me apercebo de tudo aquilo que diariamente me rodeia. Hoje é tempo de sair e correr, parar no tempo e viver. Viver momentos dos que sentimos em sonhos, que não passam de realidades paralelas e que sempre desejámos sentir.
No cimo da rua, encontro uma rapariga sentada no passeio, olhando para o horizonte que cá de cima aparece de uma ponta à outra da nossa visão. Decido parar e antes que pudesse pensar em qualquer coisa para dizer, mesmo que não me sentisse capaz de dizer seja o que fosse, pergunta-me o que vim cá fazer. O que me leva a perguntar o porquê dessa pergunta e recebo a resposta mais bela que podia alguma vez imaginar. A rapariga diz-me que vem cá várias vezes, na esperança de um dia encontrar alguém que procure um local como aquele, à procura de uma paz que foge constantemente dia após dia. Vem caminhando lentamente, entre a noite, numa vila adormecida, observando e admirando cada detalhe que lhe fica gravado na mente como tudo se tratasse de um sonho bonito demais para ser vivido. Vem cá, abandonando um mundo de sentimentos que a prendem e a sufocam dentro de si mesma, por toda a dor que possa ter dentro dela que ninguém que conheça é capaz de imaginar ou sentir. Seja por tudo aquilo que possa ter vivido, por tudo aquilo que vive e que a impossibilita de sentir um conforto que à muito lhe escapa, onde apenas em noites como esta, longe de tudo e até de si mesma como se conhece, encontra.
Já sentado, lhe disse que o meu sonho apenas se tinha tornado mais intenso, por encontrar alguém que procura o mesmo que eu. E mais intensas estas noites seriam, se vissemos subir aquela rua, um a um, adolescentes com a alma magoada, procurando aquilo que nunca encontram e que para a maioria dos que neste mundo habitam desconhecem. Um pequeno grupo se formaria, como um culto, em torno da apatia, que vaguearia à nossa volta enquanto aqui ficávamos em silêncio.
E vi o sorriso mais sincero que alguma vez possa ter visto, saboreando a paz e o sabor da apatia.
Veio o silêncio e já de cigarro aceso, observo o largo horizonte que é rasgado por uma serra interminável onde apenas as pequenas luzes ao longe cintilam e as estrelas que dançam no céu lentamente pintam o mais bonito dos quadros que parece trazer a benção por algo que trazemos em nós.

sábado, junho 17, 2006

never ending thought

Raramente me lembro que tenho 20 anos. Quando o faço, sinto-me velho. Detesto falar sobre mim e nunca sei o que dizer porque penso mil e uma coisas e nunca sei o que dizer sobre elas. Não faço nada de jeito na vida. Tenho uma paixão assumida pela Melanie Griffith que começou na personagem Lulu do Something Wild e pela Kim Gordon dos Sonic Youth. Gostava de ter conhecido o Jack Kerouac. Gosto de gatos. Não gosto de cobras, perto de mim. Não gosto do meu quarto. Não gosto do local onde moro. Passo o tempo a escrever, a fumar e em paranóias constantes dentro de mim mesmo. Gosto de pintar os olhos, usar guizos nas roupas e oculos dos anos 80. Gosto de all stars e roupas ás riscas. Não gosto é da onda alternativa que hoje se formou que todos têm que usar roupas ás bolinhas e ás riscas, franjas e ouvir bandas que não passem na MTV. Gostava de trabalhar numa loja de música, mesmo sabendo que hoje em dia, mesmo as pessoas que apreciam música preferem sacá-la da internet. Gosto de fazer feedback com a minha guitarra e do meu pedal de distorção. Gosto de perder o controlo enquanto toco quando ninguém vê. Gosto de drogas e dos seus efeitos que me afastam de tudo o que possa existir. Não gosto de me sentir a toda a hora um adolescente sem rumo. Não gosto das pessoas que neste momento me estão a julgar ao ler isto. Não procuro um futuro brilhante. Aliás, não procuro seja o que for. Viveria na rua com as pessoas certas. Exploro a baixa sempre que posso até as pessoas me conhecerem de vista. Não socializo muito. Poucas pessoas me conhecem. Ainda menos as que me falam. Sou conhecido por ser aquele que ninguém conhece. Passo o dia a ouvir música, até mesmo na minha cabeça. Gosto de tentar tocar guitarra em locais fechados. Gosto de passar noites num anexo cheio de pó, brinquedos velhos, garrafas vazias, colchões velhos, longe da vida como a possa conhecer, improvisando na guitarra, delirando na droga e em conforto por me sentir longe de mim mesmo. Não gosto de sentir o tempo a passar por mim como acontece, sabendo que desperdiço minutos que nunca voltarão, mesmo que não consiga fazer nada para mudar seja o que for. Gosto de fotografia. Gosto de sair à noite, para locais que poucas pessoas vão. Gosto de concertos. Gosto de sítios calmos. Gosto de estar em silêncio com alguém e conseguir sentir que a outra pessoa se sente bem. Não gosto de mim como me conheço. Gosto de dormir em florestas. Passo noites em claro, em angústias inexplicáveis e desesperos pouco comuns. Nunca digo nada de jeito quando tentam falar comigo sobre alguma coisa. Gostava de me sentir totalmente livre no meio deste mundo de coisas que acontecem onde nada me consegue dizer seja o que for. Gosto de adolescentes que se consigam sentir a eles mesmos e que gostam de conhecer pessoas assim. E não gosto de começar todas as minhas frases por gosto.

terça-feira, junho 06, 2006

The lonely journey

Sou uma criatura estranha que se nega a cada despertar mas que mesmo assim, acorda, deixando-se morrer.
Tenho uma alma magoada e sem cura que me desgasta o corpo e a mente nos dias que passam dolorosamente sem me trazerem qualquer alento. Sofro de tanto sofrer e sofro tanto por não me querer. Mudaria o mundo para uma paz incompreensível que trazia o mais belo dos suspiros a todos aqueles que se sentem a eles mesmos. Já me cansei de tanto querer, que hoje não quero nem procuro. Vou-me deixando em palavras que me saem do fundo e do vazio, da angústia e do desespero, mesmo sabendo que a cada segundo que passa é mais um que não volta mais. E nem mesmo as palavras mais reveladoras e sentidas que possa partilhar me afastam do que carrego em mim, todas elas me cercam, numa tempestade que me destrói lentamente. Só preciso de um sitio calmo e discreto que me traga o silêncio que me leva a vida que nunca agarrei, não peço mais. Apenas uma tranquilidade estupidamente dolorosa por saber que tudo em mim se esgotou à muito tempo.
De nada me valem as palavras maduras e experientes na vida que nada me diz se nenhuma delas me são capazes de me ler como sou. Sou tudo aquilo que não fui e que nunca chegarei a ser, talvez por isso me pese a consciência distorcida e paranóica. Não me lamento por tudo aquilo que aparento ser, apenas me odeio por não ter onde pertencer ou simplesmente querer algo mais do que a própria vida em si.
O alcóol, o tacabo, a cocaína, o haxixe e a erva não são mais do que escolhas conscientes de quem não se quer, escudos temporários para uma realidade que nunca quis, acelerando um ponto final que mesmo podendo ser colocado já, preferi vivê-lo. Esvaneço na vida como num nevoeiro cerrado de uma cidade deserta em plena madrugada.

All the smiles that I gave
And all the tears that I shed
Will never safe me from myself
Or replace what I felt

quarta-feira, maio 31, 2006

Não pertenço a lado nenhum

Vamos fugir.
Queimo cigarros enquanto espero a presença de quem, carinhosamente, abraçará o meu corpo e quem sou. Não precisamos de confessar quem somos a quem nos conhece pelo olhar e que procura um pouco de paz entre estes dias que não trazem nada que nos diga. Podia divagar durante horas sobre como é tentar adormecer num quarto que teima em projectar nas paredes todo aquele passado que me dói constantemente ou como é acordar, para sentir um vazio invadir um peito cansado. Não me quero esconder mais entre os lençóis, sabendo que amanhã será igual. Já lutei tanto e por tanto, que toda a força que tenho vai sendo cada vez menos para tentar aguentar mais um dia como os que chegam. É por isso que te peço, foge comigo.
Caminho na cidade que me viu crescer, que de alguma forma, parece partilhar a dor que levo dentro de mim. E caminho em silêncio num fim de tarde onde o sol parece uma bola de fogo que cai no horizonte, lá no fim daquela via rápida, trazendo o esperado fim. Suspiro apenas por saber que nada do que possa dizer ou fazer seja capaz de mudar qualquer coisa que nos possa acontecer. Olho à nossa volta e sinto que vivemos num mundo de apatia, que por vezes é dominado pela angústia que nasce no nosso fundo. Talvez seja por isso que num final de tarde como este, vamos para um local deserto qualquer, ver o sol cair, sentindo a droga invadir o corpo, para que de alguma forma nos tornemos mais nossos e nos afaste de tudo aquilo que nos dói, doeu e doerá. A dor é tudo aquilo que sempre conhecemos melhor. O vazio é tudo aquilo que existe em nós e que vai aumentando, à medida que nos vamos tocando no fundo.
Só o meu pensamento é invadido por vozes, guitarras e batidas de bateria que me gritam e me rasgam a alma numa confusão ordenada, sentindo o fundo do meu ser, soltando um grito silêncioso no meu vazio.
O passado assombra tanto que é capaz de destruir o futuro e é nesse pensamento que nasce a angústia no presente que vivo, por saber que nada, mas nada, me espera na realidade.
O vento agita-me o cabelo e a droga atrofia-me os sentidos. Páro no tempo. Não pertenço a lado nenhum.

segunda-feira, maio 22, 2006

Preciso tanto do que não consigo sentir

Preciso tanto do que não consigo sentir.
Cada dia que acordo na cama do meu quarto, lembro-me de como o tempo desfigurou tudo aquilo que fui. Talvez porque não caminhe nesta vida vivendo mas porque caminho nela morrendo. Morro a cada dia que passa. Dentro de mim, nascem batalhas que perco sempre enquanto que a rotina de uma vida que nunca quis se faz sentir.
Quero ser crucificado por não desperdiçar tempo aos fins de semana para ir a um centro comercial ou ver a novela preferida do país. De não comprar constantemente coisas que a moda me tentou mostrar ou de não encontrar qualidade em tudo aquilo que uma multidão de gente segue cegamente. Não pertencer a um rebanho parece ser um crime que todos entendem, mas ter uma alma que é capaz de nos doer parece ser impossível. Começo a acreditar que não pertenço em lado nenhum.
Cada vez mais sinto a necessidade de fugir de mim mesmo e de tudo o que me rodeia. Porque tudo o que existe em mim são gritos de desespero que ouço constantemente quando estou neste quarto, ciente de tudo aquilo que lá fora me espera. Tudo o que existe em mim resume-se a um vazio que cresce à medida que me vou procurando dentro de mim mesmo numa viagem introspectiva que me dói bem lá no fundo. Tudo o que existe em mim, é a dor de ser quem sou e de não ser de outro jeito. É a angústia por um tempo que passa a correr sem uma vida conseguir agarrar, um desespero por nada nem ninguém entender como que é ter a solidão como a maior das nossas certezas. Tudo o que existe em mim é tudo aquilo que nunca quis. E por isso, desespero mais uma vez.
Talvez pertença aqui, a esta floresta longe de todas aquelas mentes que julgam e condenam numa balança injusta e parcial. Talvez pertença a esta floresta que me afasta de mim mesmo e onde me sinto abraçado pela paz desta natureza. Vou ficar por cá, com estas árvores que guardam nelas os meus suspiros e o rio que me lava a alma cada vez que fico longos minutos olhando-o fixamente.
Nada mais existe, a não ser este pedaço de terra e água. Por isso sorrio ironicamente para o céu azul que neste momento não me cai em cima, por saber que mais tarde ou mais cedo, vou acordar na cama do meu quarto, rodeado de tudo aquilo que me deixa cada vez mais a um passo da insanidade.


[9 meses. Para ti avó.]

segunda-feira, maio 15, 2006

Consegues ouvir o silêncio?

Consegues ouvir o silêncio?
Os lençóis da cama estão abertos enquanto queimo cigarros sentado no chão deste quarto. O meu poeta favorito vai chorando as palavras mais sentidas num mundo longe daquele que todos conhecem e eu, vou divagando, dentro de mim.
Os meus pais dormem no quarto ao lado, lutando numa vida que tentam sobreviver. Caíram no sono que lhes dá o único descanso que encontram no dia a dia de quem trabalha para não morrer. Tiveram o azar de terem um filho que sente no íntimo tudo aquilo que haja para sentir nestas madrugadas solitárias, para que neste momento lamente por se aperceber que não passa de um erro e um fardo para quem trabalhou toda a vida e nunca a ter conseguido aproveitar.
Não sou mais que um espermatozóide que cresceu num mundo onde as rosas morreram e apenas os picos se fazem sentir. Um ser que evoluiu para um estado de letargia por tudo aquilo que possa ter sentido até hoje mas que mesmo assim, continua a deixar os dias passar por ele, como se a dor não fosse suficiente. Tenho um cérebro que se limita a funcionar na pior das condições, sem a esperança de encontrar esperança, mesmo que isso implique a morte intelectual do meu ser. Não me preocupo em viver se me nego a toda a hora desde que ganhei noção de tudo aquilo que existe e do nada que sempre fui.
Não tenho palavras bonitas para oferecer, nem sorrisos para esboçar, a não ser os espontâneos e irónicos, cada vez que o mundo se revela como ele é todos os dias.
Fico no silêncio e na solidão. Não peço nem luto seja pelo que for. Não me incomoda se tenho ou não o direito de querer ou fazer qualquer coisa que supostamente fosse capaz de mudar positivamente a minha pessoa. Estou ciente de quem sou para saber que tudo o que possa acontecer nunca mudará quem sou, nem mesmo o mais bonito dos sonhos que possa ter escondido no meu inconsciente. Todos eles são razões para a mãe de todas as angústias acordar e me atormentar. Não me quero deitado neste chão em mais uma noite, perdido num turbilhão de sentimentos que não sou capaz de controlar. Não me quero, só. Porque não existe maneira de encontrar a paz que preciso.
Durmam e não se esqueçam que tenho um carinho especial por todos aqueles que sorriem inocentemente. Vivam.
Sou aquele que ouvem no vosso silêncio.

terça-feira, maio 09, 2006

Fui à pesca

Fui à pesca.
Os violinos fora de tempo que tocam dentro da minha mente quando este quarto é trancado pararam mal saí porta fora. Invadiu-me o silêncio que encontrei cá fora, nestas ruas vazias que me levavam até à floresta que todos os dias observo da minha janela, a floresta que tanto gostava de visitar durante a noite, com todas aquelas pessoas que fossem capazes de sentir a apatia que dançaria connosco.
Os pássaros saíam dos seus ninhos e esvoaçam entre os pinheiros que cerravam o céu cinzento. Eu continuava a percorrer os pequenos trilhos, entre toda esta vegetação que, por momentos, me faz esquecer quão cinzento é o meu mundo.
Sinto-me só e apetece-me vaguear pela floresta. Quero esquecer um mundo de livros e secretárias, notícias e televisões, obrigações, rotinas ou responsabilidades. Quero encontrar o momento ideal para conseguir tocar no meu fundo e não me doer de novo. Para que um suspiro seja capaz de esboçar um leve sorriso.
Consigo ouvir ao longe o pequeno rio que corre no meio desta floresta, longe de tudo aquilo que possa existir no resto do mundo. E quando lá chego, sento-me no chão e observo tudo aquilo que me rodeia em silêncio. A minha mente brinca com a ideia de explorar, correr, rir, abraçar, chorar e brincar aqui, em plena madrugada, com quem merece e procura algo indefinível. Fumávamos tudo o que houvesse para fumar, enquanto esta água corria sem parar. Levava para longe as lágrimas que nos saíssem da alma e trazia uma esperança que já não conhecemos. A minha força passiva só é sentida no meu olhar distante.
Coloco o meu isco e lanço a minha bóia. Por momentos não existe mais nada a não ser todo este ambiente que me observa aqui sentado, sem motivações ou optimismos inocentes, de cigarro na mão, à espera da primeira criatura que morda o anzol.

terça-feira, maio 02, 2006

Paralisei

Perdi-me no tempo. Paralisei.
Nada me espera no futuro a não ser a falta de vida que hoje constantemente sinto. Tornei-me numa mente que se lamenta todos os dias que desperta e não tenho qualquer orgulho nisso. Vejo os meus dias e as minhas noites como nunca antes conseguira ver. O tempo tornou-me frio e distante, mergulhado numa angústia que sinto intensamente. Sinto a falta de tudo aquilo que o tempo me possa ter levado para apenas ficar comigo mesmo, nesta dor de ser quem sou.
Já passei por noites que destinei serem as últimas mas a manhã teimava em aparecer. Sou provavelmente lixo humano que não se contenta com nada do que tem e que nunca teve força para lutar seja pelo que fosse.
Hoje estou aqui sentado. Sentado no meio desta imensidão de espaço, de cigarro na mão, tal como na primeira vez que peguei num, sentado numa rocha, naquele bosque que me levaram numa tarde de verão. Em frente a este computador que comprei graças a um folheto que encontrei no chão a caminho de casa à uns anos atrás. Com uma meia ás riscas pretas e vermelhas, que me ofereceram como luva, quando visitei a casa de uma rapariga que conheci na rua, numa fuga para o Algarve, onde dormi em locais que não fazia a mínima ideia de como se chamavam. Com uma camisa de flanela aos quadrados que comprei num leilão na Internet, que se tornou na peça de roupa que mais uso. Com umas sapatilhas que comprei com a única pessoa que foi capaz de entender tudo em mim e de me amar.
A minha vida dava o filme que todos os adolescentes deveriam ver.
Para quando o momento em que desistimos de nós mesmos chegasse, fossem capazes de lutar contra tudo aquilo que dentro deles possa doer e não se entregarem ao vazio que os consumirá, até que uma noite seja mesmo a última.

terça-feira, abril 25, 2006

A casa

Os pássaros chilreavam e o vento agitava as folhas das árvores que me rodeavam. Esta mente sonâmbula tinha vindo parar novamente ao bosque. As pálpebras pesam enquanto tento abrir os olhos e sair daqui como tantas vezes, em tantas manhãs o fiz. A última vez que saí de casa a dormir para acordar deitado à beira rio entre as mesmas rochas, fui acordado pelos escuteiros que costumam explorar esta zona. Riram mas pelo menos deram boleia até casa. Chego novamente à conclusão que nem vale a pena tirar a roupa antes do sono chegar se existe a grande possibilidade de acordar num outro local praticamente nu. Mas por outro lado é tão estranhamente belo como quase todos os meses acabe por acordar entre uma leve névoa que flutua acima do rio, perdido neste mato tão verde e silencioso ao ponto de conseguir ouvir os meus longos suspiros.
À ida para casa é que reparo no estado da roupa que levo. Com estas calças de ganga tão sujas e a camisa de flanela desbotada sou capaz de parecer um vagabundo que acabou de chegar à vila. Pouco me importa.
Os meus pais foram passar o fim-de-semana fora. Tenho que entrar pela janela da cozinha e aproveito para comer qualquer coisa enquanto vou reflectindo sobre o meu início de manhã. Volto ao meu quarto para observar durante longos minutos o tecto que fiquei a conhecer bem demais nas noites sem dormir que me tendem a perseguir. Deitado nesta cama, perco-me mais um pouco dentro de mim mesmo de novo numa viagem introspectiva. A dor do silêncio invade e traz-me a melancolia de uma alma que se magoa a si mesma. Tudo aquilo que possa existir em mim mata-me mais uma vez enquanto que fora deste quarto o mundo gira sem parar. Dentro de mim continuo a lamentar em quem me tornei. Da janela chega um grito que chama por mim. A Cely hoje resolveu visitar-me mais cedo. Trazia aquele cabelo preto despenteado, que tantas vezes já confessei como é realmente bonito e os olhos de quem ainda não tinha dormido uma hora. Convidei-a a entrar e viemos deitar-nos no chão do meu quarto partilhar este silêncio que tão bem conhecemos. Resolveu interromper aquele silêncio ensurdecedor com a pergunta – Que horas são? – E seguiu-se um ataque de riso descontrolado naquele chão que tantas vezes as minhas lágrimas salgaram. Acabámos por adormecer e acordei a meio de uma conversa entre o Gil e a Lisa. A Cely tinha ido tomar um banho a casa enquanto aqueles dois apareceram por cá. Acabei por lhes pedir um cigarro enquanto me sentei no chão a ouvir a música que me abstraía das vozes presentes neste quarto.
É como se o tempo parasse e apenas a minha existência se fizesse sentir. E numa fracção de segundo torno-me consciente de toda a minha vida até este exacto momento. Recordo momentos que vivi com o Gil, como aquelas noites em que decidíamos explorar as estradas velhas e cinzentas desta vila, acompanhados da nossa dor e da vontade de tudo largar. Ou com a Lisa, como aqueles intervalos na escola, que se prolongavam durante largos minutos atrás de mais um pavilhão, falando de tudo um pouco e de nada em particular, permanecendo apenas o conforto presente no ouvido de quem nos quer bem. São momentos como esses e muitos mais que fazem com que doa menos sentir o tempo desperdiçado que todos os dias tendem a trazer e alente estas pobres existências que não se enquadram em qualquer lugar que seja. Sentir tudo escapar entre os dedos, corrói à medida que o tempo vai passado. Talvez seja por isso que tenhamos a constante necessidade de nos abstrair de tudo aquilo que nos rodeia e em nós existe.
Decido fazer o almoço que se limita a uma simples sandes, que se segue de um cigarro e um banho. O Gil e a Lisa sabem perfeitamente que podem ficar no quarto o tempo que pretenderem, por isso decido ir visitar um local que conheço melhor que eu mesmo. O Gil disse-me que ainda devem lá estar o resto das bebidas da noite de ontem com a Lisa e a Cely. Costumamos ir bastantes vezes para as minas de carvão de S. Pedro que foram desactivadas à algumas décadas. Ficamos a falar e a beber, a fumar e a rir, entre as poucas paredes que se mantêm erguidas que tantas histórias por contar devem ter. É apenas mais um local que os adolescentes usam para libertar o peso do mundo das costas carregadas de dor.
Haviam beatas de cigarro e garrafas partidas numa daquelas divisões destruídas pelo tempo. A fogueira já estava apagada e a única coisa para beber tinha demasiado álcool para um início de tarde. Sento-me num colchão velho que eu e o Gil acabamos por colocar lá para as várias noites que lá decidíamos ficar e imagino a apatia dançar à minha volta. São projectados pequenos filmes no meu pensamento e nasce um pequeno sorriso neste rosto. Como a noite em que trouxemos mais de uma dezena de pessoas para transformar este local numa pequena festa sem razão aparente, onde existia apenas o conforto das jovens mentes sem rumo que se afogavam em álcool, desejando que o sol nunca mais nascesse. Neste momento, já com o sol bem alto, este local dorme para quando mais uma noite chegar, trazer de volta a magia que sentimos a cada noite que por aqui ficamos. Apenas eu, completamente sozinho num raio de quilómetros, entre este mato que me rodeia, estou aqui, agarrado a um passado que se mantém presente demais.
Passadas algumas horas e vários cigarros, algumas lágrimas e um ou dois suspiros, a Cely vem ter comigo e deita-se no colchão a resumir a noite de ontem, acabando por confessar com um pequeno sorriso o quanto precisa dessas noites que nos afastam de nós mesmos como nos conhecemos diariamente, que nos abrem a porta para uma liberdade sem limites e uma presença dentro de nós mesmos a que não estamos habituados. Viver não deveria ser um esforço. E sorrir deveria ser natural, não um acto automatizado. Hoje o mundo gira mais depressa. Viver não custa para quem não sente a realidade como ela é.
Numa conversa quase sussurrada com a Cely, revelo todos os meus medos, todas as minhas dores. A dor de ser quem sou espalha-se no ar enquanto alguém sente a minha alma. A tarde passa e os silêncios acumulam-se. Depois de tanta conversa e de um ou outro abraço, eu e a Cely resolvemos vaguear um pouco por perto destas minas. O céu começa a pintar-se de negro até que o Gil e Lisa aparecem. Acabamos por sentar os quatro a três andares do chão, tentando agarrar o tempo que teima em escapar entre os dedos.
A Lisa sussurrava uma música enquanto a Cely mantinha um olhar cabisbaixo enquanto fumava o cigarro. Eu e o Gil observávamos tudo aquilo que nos cercava e aos poucos íamos sentindo o conforto na angústia que em nós mora. Foi então que, entre o silêncio que se criou, o Gil acabou por dar a ideia de visitar a casa abandonada que á já algum tempo estamos para conhecer. Já tínhamos ouvido falar desse local e de algumas histórias que se espalharam por quem já lá entrou. A ideia era atravessar a zona de Couce e procurar a velha casa abandonada.
A noite já tinha caído quando decidimos sair das minas com as nossas mochilas que carregavam lanternas e algumas bebidas. Observámos o céu completamente estrelado à medida que caminhámos em pequenos trilhos de terra iluminados pelo forte luar. Fiquei para trás o suficiente para observar aquelas três pessoas envolverem-se na escuridão, com as suas sapatilhas sujas, as suas roupas «retro» e a sua vontade de viajar sem destino aparente, para longe de tudo aquilo que os lembre deles mesmos. Sorrio e acelero o passo. Ao longe faz-se ouvir o rio que corre sem parar enquanto a Cely e a Lisa vão imaginando como será visitar uma casa tão antiga. Todos sabemos que à alguns anos atrás, jovens como nós viajavam até lá e jogavam pequenos jogos capazes de assustar as mentes menos abertas. A nós, só nos interessava o sabor da aventura e o cheiro da apatia adolescente presente nesta noite que nos abençoa por tudo aquilo que (não) somos.
O Gil ficou sem bateria na lanterna dele por isso passei eu para a frente. Estava na altura de atravessar o rio. Um a um, dávamos um passo de cada vez em cima das rochas que nos serviram de ponte. Tudo à nossa volta era feito de sombras, apenas os pinheiros rasgavam o céu e as estrelas cintilavam como nunca tivera visto.
Reconheci o local por onde passamos, acordei lá hoje de manhã. Nunca pensei que estivesse tão perto do local que tantas vezes me tinham falado. O Gil reconheceu as quatro pedras alinhadas que lhe deram como ponto de referência e que formavam a entrada para o terreno da casa. Tudo à nossa volta eram ervas ou silvas, havia apenas um trilho de meio metro completamente cerrado. O Gil parou e agarrou o meu braço. Viu a sombra da casa ao longe. Ficámos os quatro a observar aquele sítio sinistro que estávamos prestes a conhecer sem sussurrar uma palavra que fosse e ao contrário do medo que talvez nos pudesse invadir, apenas surgiu a vontade de conhecer cada canto que o local abandonado tivesse para nos mostrar. Chegamos ao alpendre, consumido por ervas que se espalhavam pelas paredes e o telhado. A porta de madeira estava arrombada e havia um par de sapatos de mulher bastante velhos junto a uma mesa de madeira dentro do alpendre.
- Vamos? – Sugeriu a Cely depois do meu longo suspiro enquanto observava tudo o que me rodeava. Como segurava a lanterna, fui o primeiro a entrar, a madeira dava de si à medida que avançávamos entre a escuridão total. Tinha acabado de entrar na porta e reparava nas grandes teias de aranha que enfeitavam o tecto que por sinal ainda não tinha caído. O corredor era estreito e haviam molduras nas paredes, curiosamente, sem fotos. A madeira gemia enquanto a Cely, o Gil e a Lisa me acompanhavam lentamente até que parei por ter visto através da luz da lanterna uma divisão ao fundo do corredor. Encontrei uma sala apenas com uma mesa e duas cadeiras partidas. A lanterna pouco mais mostrava. Nas paredes estavam desenhados símbolos que desconhecíamos, provavelmente feitos por quem á uns anos visitou este local. A Lisa e o Gil começaram a explorar o resto da pequena sala enquanto eu e a Cely acabamos por nos sentar no chão com um olhar que foi capaz de transmitir tudo aquilo que pensávamos deste local sem abrir a boca. Estávamos fascinados. Pediram-me a lanterna. Encontraram um livro e a curiosidade matava-nos. O Gil começou a ler em voz alta e de imediato nos apercebemos que se tratava de um diário que começara em 12 de Julho 1962.
«Eu e Rosa acabamos de chegar do Porto e de conhecer mais ruas daquela cidade cinzenta. Os automóveis estragam o ambiente da minha cidade natal. Fomos até a um restaurante comer qualquer coisa e como sempre saímos sem pagar. Rimos vezes sem conta sempre que nos sentimos vivos à medida que vamos viajando por aí, conhecendo novos lugares e novas pessoas. Comprei-lhe uns sapatos para substituir aqueles que ela estava sempre à espera de trocar. Os olhos brilhavam de alegria, adoro ver o sorriso deste meu amor. Amanhã partimos para S. Pedro da Cova, vamos visitar o povo mineiro e quem sabe arranjar um emprego por uns meses. Só o tempo dirá para onde iremos depois.»
Começava assim a segunda página do diário que tínhamos acabado de encontrar e todas as outras páginas que se seguiram, foram suficientes para entendermos que se tratavam de um casal que sorrimos ao imaginá-los viajar. Viajavam por toda a parte, de qualquer maneira, procurando algo que também não sabiam descrever muito bem, assim como nós o fazemos cada vez mais. E rimos. Esta casa foi provavelmente a última paragem deste casal que vivia a vida de um modo que pouca gente um dia poderá conhecer. Décadas depois, estão aqui mais quatro jovens, desejosos por largarem o travo amargo da melancolia, viajando em plena noite, por várias cidades, arrastando com eles quem deseje segui-los.
Assim como aquele casal, queremos largar esta angústia que nos corrói, esta vida automatizada que nada nos diz, este desespero que nos consome diariamente. Por momentos sentimo-nos abençoados por ser quem somos e enquanto nos olhamos em silêncio esboçamos um sorriso que esvanece na escuridão. Tinha acabado a última bateria da lanterna e sinto um leve suspiro junto ao meu ouvido.
Mas nenhum de nós suspirou.

terça-feira, abril 04, 2006

Escrito a 1 de Abril de 2004

Desperdicei tantos segundos e agora todos vão se escapando mais rápido...
Que agora quando penso neles me faz baixar o olhar e sentir os olhos a humedecer. Porque na verdade, eu tenho por ti, tu és, muita coisa que nunca imaginaste ser para mim. Coisas que nunca disse, coisas que sempre senti mesmo que enterradas por baixo de uma camada de apatia ou até de puro e indesejado mau humor.
Agora, as coisas estão muito diferentes.
Nem te deve passar pela cabeça que eu me preocupo, que eu te escrevo, mas não o faço por obrigação, nem por pena, faço-o pela primeira vez em 18 anos algo que nunca fiz porque nunca tive coragem e não por segundas intenções.
Não imaginas como é doloroso, desesperante, mentalmente letal, chamar pelo teu nome e não ver reacção tua. Perguntar se está tudo bem e continuares a olhar para o vazio. Saber que tive 18 anos a teu lado e nunca fui capaz de dizer o que mereces ouvir, de te acarinhar como me fazias quando eu era criança. Agora que cresci e me foram fechando dentro de mim, sinto-me um incompetente, estúpido, insensível pelas palavras que te acompanhariam para sempre não me saírem da boca.
Sinto-me mal por ver que esperas o fim da vida e o início da eternidade.
Estou farto de vomitar por dentro, sou tão egoísta.
Estou farto de chorar por dentro, falho constantemente para com as pessoas.
Gostava de poder engolir o mal que te possuíu, queria que ele me consumisse por dentro, se entranhasse entre as minhas unhas, que visses a minha dor por ti, como se fosse um pacto de irmãos. Mas eu não sou nada.
E tu pensas que tu é que não és nada para mim. Eu não sou mesmo nada, mas tenho tanta coisa tua guardada dentro de mim.
É compreensível as pessoas não perceberem o que sinto quando eu simplesmente não o digo, eu fui-me habituando a não demonstrar nada. Sou tão apático. Mas por mais que tente, mesmo que agora sejas tu que não me fales, eu não consigo.
Ver-te como eu agora te vejo, imaginar-te como tu eras e agora como tu estás, ouvir a tua tentativa de me murmurares algo, de me acariciares a cara para me reconheceres, os teus gemidos tentarem criar palavras, da tua presença ser mais intensa, mesmo que não te consigas mexer, mesmo que eu agora te queira dar o abraço que nunca te dei, mesmo que saiba que a morte nunca esteve tão perto, eu simplesmente não consigo parar de chorar e dizer que te adoro.
Tudo o que eu consigo sentir é uma grande dor, de saber que não te consegues exprimir, de saber que te sentes sozinha durante a noite, de não conseguires chorar, de não conseguires sorrir, de simplesmente saber que nunca mais te vou ouvir! E tantas vezes eu detestei a tua voz, a tua opinião sobre as coisas. Agora que recuo no tempo, que me vejo contigo no passado onde eu por fora sempre demonstrei o desagrado de socializar contigo ou seja com quem for e por dentro sempre gostei de te ter por perto, vejo o que desperdicei e sinto-me tão mal.
Sinto-me tão mal por saber que já estás de partida e eu continuo o mesmo, sem conseguir exprimir algo tão intenso dentro de mim. Mergulho no silêncio contigo porque não te consigo falar e já não me falas porque não o consegues, todos os pormenores me entristessem. Só uma borboleta voa dentro do meu coração, sinto cada batimento das asas dela. Não sei se a minha presença te agrada, não sei como começar por te dizer o que sempre senti, simplesmente odeio saber que eu sou o principal culpado por nunca te sentires verdadeiramente feliz.
Agora que te vejo no fim, começo a ter saudades do ínicio.
Mas o que sinto sempre existiu, mesmo que para muitos eu não fosse algo mais do que um frio e mal agradecido.
O que mais me incomoda é saber que agora mais do que nunca estás sozinha, suspiras á espera que o amanha não exista, porque se existir só te vai matando aos poucos por dentro, assim como me mata a mim também sempre que estou contigo.
O que mais me incomoda, é o teu olhar, a força com que agarras a minha mão quando eu a tento separar da tua, e abres bem os olhos para mim como se fosse um sinal para eu ficar. O imaginar-te chorar por dentro, dando gritos silenciosos levando-te mais tarde ou mais cedo á insanidade.
Gostava que tudo mudasse para melhor, que me perdoasses para eu conseguir parar de desesperar e chorar.
Gostava que te conseguisse dar o melhor, porque tu o mereces, porque tu atravessaste esta vida e simplesmente o mereces.
Adeus.

domingo, março 19, 2006

Warning: I may be high

Ok, i'm high.
I just don't what to with myself.
It is almost 5.am and I just feel everything around me spinning and i'm loving it. By the way, i'm not in the fuckin mood to write in my mother language and i'm just making stupid errors in every fuckin word. But it's ok, i'm correct it right away.
If anyone could imagine what kind of reality expects me tomorrow, everyone would like to get high till the end of their days. I want my fuckin last days. Because I just want to dance in the rain knowing that I don't know how to dance. I just want to feel my tears from the sky and give away all the apathy that releases from my body and soul.
I lost my fuckin way to save me from myself. And I so fuckin sick and tired of me and to write fuckin in every fuckin line.
I think that I will just click on that orange button to publish this shit this and lay down on the ground laughing and crying of this entire world.
Fuckin heartbreaked junkie.

domingo, março 12, 2006

Sou este mundo abandonado que ninguém sente

A noite já tinha caído e aproximava-se uma madruga das que invadem este quarto e trazem os sussurros, a loucura e a dor de ser quem sou. Trazem as madrugadas que o tempo torna ainda mais pesadas e difíceis onde o único refúgio é estar o menos consciente possível.
Mas ouvi um grito da janela ao lado desta secretária, chamando e esperando por quem aqui dentro, em si se destrói. Levam-me embora, para longe daqui, por umas horas que gostava que fossem dias, meses… Invadimos bombas de gasolina e a noite angustiante que tanto conheço, à medida que me torno menos consciente de mim mesmo, seja com que substâncias forem, a linha do tempo desaparece e apenas existe um presente constante. Os silêncios e os olhares transmitem esta angústia e esta dor que pesa cá dentro, que queima esta alma. São ditas palavras sentidas e ouvem o suficiente para entenderem a alma deste ser, gasto e auto destrutivo, sem força para esperança. O tempo ensinou-me que nunca podemos esperar aquilo que já tivemos e perdemos. São feitos silêncios que dizem tudo aquilo que as palavras não são capazes e neles sinto tudo em mim, saindo pelos meus poros sujos de tanto drenarem dor. Sou a pior droga que posso consumir.
Viajamos sem tempo ou preocupação, observo as ruelas vazias e escuras que por momentos se tornam minhas. Viajamos tentando adiar o inevitável. Envolvo-me em tudo o que me rodeia e por uns momentos sou aquele passeio velho, pisado e frio. Aquela árvore seca, imóvel, esperando o fim. Esta rua pouco iluminada, morta, com muitas histórias que ficaram por contar, que doem e se sentem constantemente. Sou este mundo abandonado que ninguém sente.
Caminhamos sem amanhã, procurando algo que ainda não conhecemos. E somos nossos no conforto deste mundo que partilhamos.
A visão distorce e as vozes afogam-se. O pensamento abranda e o corpo pede mais. A consciência perde-se e a apatia cresce. O vazio em que vivo torna-se quase indiferente nesta mente que continua revivendo vezes sem conta memorias de tempos que sempre precisou e nunca mais terá, a não ser estas noites, fugindo do que amanhã, infelizmente voltará.
Por momentos deixo de ser este ser. Esta existência que parou de existir. Esta pessoa que morreu, depois de tanta gente magoar. Esta voz no pensamento que grita e chora por tudo aquilo que se tornou.
Acabo numa divisão cheia de pó, com vodka por beber, maços de tabaco que acabaram e drogas por tomar. Uma divisão cheia de brinquedos velhos, cadeiras partidas, armários antigos e paredes que guardam a nossa dor. Uma divisão que não é usada a não ser para abraçar quem somos, mesmo que não sejamos metade do que um dia pudéssemos ter sido. Que transmite este conforto na dor de ser quem somos. Encosta-se o colchão velho a um pedaço de madeira e fazemos o nosso sofá. Permanecemos ali, em frente a uma televisão desligada ouvindo a música que torna aquela divisão velha e desarrumada num local que, entre o nosso silêncio, nos faz escapar de tudo aquilo que lá fora possa existir.
E por momentos somos nossos, sem ontem nem amanhã. As confissões são feitas e surge o conforto que tanto falta e nunca aparece, neste quarto que guarda tudo aquilo que me lembra de mim e do quanto não aguento comigo mesmo. Que guarda tudo aquilo que toda a vida possa ter feito e possa ter querido, que me possam ter feito e me possam ter dito, o que possa ter tido e hoje, desapareceu, para deixar um vazio que me consumiu. Restando apenas dentro de mim pesadelos que sempre tive medo de viver. Por tudo o que amei. Desde quem me deus à luz ao simples chão que nesta noite caminhei. Por tudo e todos aqueles que um dia possa ter magoado. E por todos os dias em mim sentir o vazio que lentamente me apoderou, matando quem na verdade nunca deveria ter começado a viver. A culpa e a angústia pela imensidade de pessoas e momentos que por mim possam ter passado e possa ter sentido levam ao desespero. Sou um nada.
As pálpebras pesam e a luz de mais um dia lentamente surge. E ali adormecemos, depois de mais uma noite que devia ser transformada na única vida que conforta, depois de tudo aquilo que possa apaixonadamente ter vivido e por isso ter morrido.

quinta-feira, março 09, 2006

Aqui deitado, tempo, existes apenas tu

A madruga chegou de novo.
Deito-me no chão deste quarto cheio de memórias de mim mesmo a fumar enquanto o olhar vazio se fixa no tecto de madeira e deixo o tempo passar-me ao lado. Não sou. Não tenho. Não consigo. Não existe. Sou um nada.
Sinto tudo morto lá fora. Aqui também. Lá foram encontram-se existências caídas no sono e nos sonhos das vidas que procuram e de algum jeito encontram. Aqui dentro encontra-se um corpo que inspira e expira instintivamente e uma mente preenchida por um vazio que impossibilita o ser de se ser. Pouco importa. Não importa. O tempo passa. O vazio permanece.
É fumada a nicotina que ajuda o tempo a passar de algum jeito sem que ele, o tempo, me viole e me deixe aqui, só, abusado e louco. É despertada a vontade que o sol não se erga por trás daquela colina e que de alguma forma estes sejam os últimos momentos de quem à muito deseja um fim que possa parecer involuntário. Os comprimidos acabaram e a droga foi levada por alguém que vertia lágrimas e dorme no quarto ao lado. A apatia existe em excesso. Sou excessivamente excessivo. Sou… não sei.
Amo tudo o que possa existir lá fora doentiamente. Até que me doa. E me traga até esta madrugada. Talvez já nem ame nada do que possa existir, por resultado do tempo que vem e tudo leva. Mesmo até quem somos.
Aqui deitado não há estrelas, nem luar, muito menos o som de um rio que rasga uma floresta que crie risos e incite a pegar na guitarra para mais um momento embaraçoso enquanto são cantadas, suavemente, palavras sentidas e tocados acordes que transmitem a dor que a voz não é capaz. Aqui deitado, apenas existe um tecto de madeira que esconde por trás todo o pó, todo o lixo que é acumulado. Bonito por fora, podre por dentro. Tectos. Existências.
Aqui deitado, tempo, existes tu e a tua infinidade de dores que aos poucos apresentas. Existe um corpo imóvel de um ser feio e podre. Exausto. Procurando o fim.
Existe um corpo…
Sem vida.

terça-feira, março 07, 2006

Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me. Acabei-me.
Merda! Acabei-me!!!!!!!!!

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Dead inside

As palavras estão tão gastas.
Cada dia é um tormento que tento sobreviver. Desde que ganho consciência da minha vida quando, ainda de olhos fechados, volto a ouvir o silêncio do meu quarto, despertando algures entre um dia que já nasceu á algum tempo. Cada dia é um tormento que aos poucos vou perdendo a força para sobreviver quando vagueio sem destino sentindo o dia a escapar entre os dedos, a vida a ser desperdiçada, os problemas e conclusões que criam este mundo de emoções angustiantes dentro de mim e não me largam um segundo que seja. E as noites solitárias que trazem o silêncio que tanto magoa e nos envolve ainda mais em nós mesmos.
Não é segredo nenhum. A minha vida fugiu-me. E fiquei eu, aqui, vazio.
Olhem para mim. Olhem para dentro de mim. Leiam a minha pobre alma que se apaga à medida que o tempo vai passando. Não trago mais nada em mim a não ser a angústia de viver, a dor de tanto em mim sofrer, a tristeza por tudo perder e o desespero por nada, nada, conseguir ter.
Tenho um choro tão puro dentro de mim que se sente bem demais neste silêncio. Um choro que não se preocupa em conter, recheado de dor. Mas que apenas faz com que o meu olhar desça até aos meus pés e force o maxilar num acto de desespero. Estou apenas a reviver em mim memórias que despedaçam este coração, só mais uma vez. O futuro não é nada mais do que mais tempo para recordar o tempo que passa. E com ele os sentimentos e emoções que em mim permanecem. A vida ficou para trás. Não há futuro sem ela.
Há um olhar morto, espelhando a inexistência de vida neste corpo. Mais tarde ou mais cedo, mais uma noite voltará e trará toda a dor e todo o sofrimento que não me larga por eu ter morrido para tudo o que possa existir. E com essa noite, voltará também mais uma manhã que trará aquele despertar tão triste e que um simples abraço à almofada não chegará para confortar. Lá fora chove, faz sol. Cá dentro morre-se, sempre.
As palavras estão tão gastas…
São mais que muitos os suspiros e as vezes que o rosto é escondido pelos braços e as mãos de alguém que tenta de algum modo esconder esta dor.
Um dia explodirei em todas as vossas mentes. Vou dar o grito que acabará com este pesadelo, e será ouvido em todas as mentes em que eu possa existir enterrado. Verão este olhar morto que tudo observa e tudo sente, como se já não tivesse visto e sentido demais.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Leva-me embora

Leva-me embora.
Fico noites inteiras à espera que a pedra bata na minha janela mas nunca apareces. Eu aqui só tenho dor, sabes muito bem. Colapso todas as noites quando entro em conflito comigo mesmo. A dor de ser quem sou não podia estar mais presente em todas as noites que aqui sozinho fico pensando em tudo aquilo que fez com que me perdesse de mim mesmo.
Deixei a escola, como tu um dia disseste que ia fazer. Sinto-me fraco demais para enfrentar os dias como eles se tornaram. Cheios de uma dor que o tempo trouxe de volta e juízos de valor por aquilo que me tornei. Já não sou metade do que fui. Perdi toda a minha vontade de ser alguém para mim mesmo. Desisti de mim quando me apercebi que tudo aquilo que um dia acreditou em mim me virou costas. Nunca devo ter merecido seja o que for. Mereço este silêncio que magoa nestas noite mortas, que trazem todos os fantasmas que assombram esta pessoa que aqui morre.
Não tenho futuro. Tudo me deixou para trás e com isso sou incapaz de acreditar em tudo o que me possa salvar. Os meus dias tornaram-se em sonos profundos e as noites em horas de solidão acompanhadas de cigarros até que o sol nasça novamente. Mas acabo sempre por ouvir os gritos que se dão fora deste quarto. São por mim. Esta descendência nunca irá vingar. Aos poucos a minha dor alimenta-se de ela mesma ao ponto de não me querer sentir mais uma vez. Sinto-me tão farto de mim mesmo. Leva-me embora daqui, por favor. Até mesmo as ruas desta cidade se tornaram familiares demais. Que prazer tenho eu em visitar sítios que conheço melhor que eu mesmo? Sempre disseste que mais tarde ou mais cedo eu iria chegar à conclusão de quem realmente sou. Tinhas razão. Sou simplesmente alguém que não merece nada a não ser o ódio por ele mesmo. Ódio.
Ódio. Dor. Por tudo aquilo que eu já senti e entre os dedos escapou. Tudo aquilo que levou quem era e me deixou sem saber quem sou. É por isso que te peço, leva-me embora. Roubei o pouco dinheiro que havia em casa e tenho duas trocas de roupa. Se não vieres comigo vou eu sozinho. Quero ir por estradas secundárias, cortando Serras, aldeias e pequenas ou grandes cidades. Não quero proferir uma palavra que seja. Viajar. Só viajar. Quero deixar toda a dor que me atinge neste quarto, ouve-me, por favor. Levo comigo apenas a dor que em mim permanecer e espero deixá-la pelos locais que visitar, que com as pessoas que conheça arranje maneira de a esquecer. E não precisámos de voltar. Comemos pequenas refeições para alimentar, de vez em quando comprámos álcool para rir e dormimos em becos sem aborrecer ninguém.
Eu só quero fugir de mim mesmo e do que vida me trouxe. Do nada que me espera e da angústia que comigo mora. Por tudo aquilo que me perderia em lágrimas se tentasse explicar mais uma vez como já o fiz a mim mesmo vezes sem conta. Quando a nossa existência nos dói, algo está muito mal. Quando somos motivo de vergonha, quando não temos futuro, quando somos abandonados, quando não conseguimos voltar a sentir de novo, quando passámos noites tão solitárias que nos matam aos poucos, quando não encontrámos prazer em seja o que for, quando sentimos que não pertencemos onde estamos, quando sabemos que nada em nós irá mudar… por favor…
Eu sei que não me conheces de lado nenhum, mas leva-me embora.
E não precisámos de voltar. Eu só quero é viajar. Viajar.