domingo, setembro 25, 2005

E para além da solidão...

Não entendo porque continuo a acordar para sentir o meu tempo a passar como sinto.
Não existe qualquer tipo de razão para que queira acordar para sentir um misto de sensações que se resumem a um completo isolamento dentro de mim mesmo. Porque existe um fio de raciocínio que teima em me atormentar, como se me sussurrasse, que perdi um pedaço de mim. Um pedaço que guardara todas as minhas certezas, todos os meus sonhos, toda a minha vontade de viver. Um pedaço existencial que deixou espaço para que todas as minhas incertezas, todos os meus medos e desassossegos, toda a minha veia de apatia, se alimentassem de mim mesmo.
Vivo os meus medos em silêncio, num sossego penoso que corrói cada vez mais quem se encontra isolado de um mundo que não lhe diz nada.
Vivo a minha dor numa paz insuportável que depois de sentida e intimamente chorada, se transforma na apatia que me faz vaguear com um olhar morto.
Entre um cigarro e outro, sentado num passeio, queima-se o tempo que vemos passar por nós, enquanto que nós, apenas observámos tudo aquilo que mais ninguém tem tempo de observar. Porque nestes momentos dispensam-se sorrisos, dispensam-se choros, dispensa-se qualquer tipo de emoção. Permanece apenas um ser destruído pelo passado que o vive sempre que ouve o seu pensamento.
Um ser que hoje nada tem a oferecer a não ser palavras que a si mesmo as sussurra. Alguém que toda a gente olha mas que ninguém vê. Enquanto o meu olhar se prende no vazio, confesso a mim mesmo que me perdi.
Além da solidão, existe algo em mim que não encontro e dói.
Nem mesmo no meu período de sono encontro a serenidade que procuro. Porque é nesse momento em que me visitam todas as pessoas que já se afastaram de mim. Algumas que partiram porque não aguentavam mais um suspiro, outras porque estava na vontade delas partirem. Visito lugares que nunca conheci e escuto esta mesma melodia de fundo enquanto me confessam memórias escondidas no meu subconsciente.

Essa é uma das primeiras memórias tuas que tenho.
Os nossos olhares que mal se cruzavam (por passarem tempo demais pousados no chão), as poucas palavras e os pequenos sorrisos que tanto me faziam corar...tudo isso era bom e doloroso ao mesmo tempo, porque parecia sempre presente o "e se...?".Mas quando as nossas mãos se encontraram, tudo fez sentido. Era aquilo. Amor, finalmente. Horas a fio em que as nossas mãos brincavam uma com a outra. Os arrepios e os sorrisos que o encontro das nossas mãos nos traziam.Os arrepios e sorrisos que as nossas mãos unidas ainda nos trazem, tanto tempo depois. E as palavras que guardamos nas nossas mãos, são tantas...Não sei se sabes, mas quando sinto o mundo a cair-me em cima, quando acho que tudo está errado, quando me sinto um erro...basta dar-mos as mãos e fugir-mos juntos, sem ninguém saber.


É só mais uma razão, para quando acordar, sentir o vazio crescer em mim por tudo aquilo que me foi roubado, por tudo aquilo que tive e fui que me foi levado por um beijo que ouvi.
É só mais uma razão, para quando esteja em mais uma noite sem dormir, observando pela janela o nevoeiro de uma manhã que começa a surgir, sentir que estou mais sozinho do que alguma vez possa ter imaginado.
E para além da solidão, existe algo em mim que não encontro e dói.

quinta-feira, setembro 22, 2005

I'd be easy

I have a car waiting and I want you to come with me.
You have to come, now.
You can go, you can get out of here.
No one’s here, you can go…
I’d be easy…
If you stay here you’re just gonna…

Quero uma Kim Gordon na minha vida.

domingo, setembro 18, 2005

It's a long lonely...

Só mais uma madrugada que ouvi o Blake cantar enquanto eu fumava e murmurava com os lábios o choro que ouvia.

sexta-feira, setembro 16, 2005

Sem título

Sinto-me traído.
Estou deitado novamente e apenas ouço a minha frágil respiração. O meu quarto é tudo o que conheço desde à alguns meses e memórias são tudo o que faz parte do meu dia a dia.
Sinto o coração tão pesado que chega a doer, alguém está a sorrir.
O vazio no peito aumenta de tal maneira que este momento parece uma eternidade. No entanto, nenhuma lágrima se solta. A dor é intensa demais para se drenar.
Pertenço a uma realidade que um dia julguei impossível.
Apenas existo eu, um corpo com o olhar morto entre estas quatro paredes, com o cabelo sujo que me cai pelo rosto e nada se move. Silêncio absoluto e uma dor inexplicável por palavras.
Um aperto, pela vida que lá fora se vive e que me abandonou.
Um desespero, pela sensação de abandono que aumenta no vazio infinito que me encontro.
Como se tivesse acabado de acordar de um sonho que durou bastante tempo, agora volto à realidade que além de dura é injusta. Quando tudo o que sobra são apenas memórias de sorrisos e momentos que hoje são impossíveis de reviver com quem quer que seja.
Desde que me lembro de mim até hoje, só me tenho a mim mesmo neste preciso momento. Todos se afastaram. Não existe ninguém. Ninguém que venha ter comigo para colocar o cabelo atrás da orelha e passar a mão na pele áspera. Porque todos têm uma vida e eu tenho somente memórias.
Eu sou sempre o único que continua a escrever sobre como é viver no vazio mais doloroso e incompreensível para quem neste momento tenha uma vida. Todas as verdades que um dia me foram apresentadas como tais, hoje são quebradas e invertidas. Desde sempre foi assim, com qualquer pessoa, em qualquer situação.
E o que me possa fazer pensar que um dia tudo muda pode muito bem no futuro colocar-me numa situação semelhante a esta. Não iria ser a primeira vez.
Porque posso dizer que já vi muito, mas todos que me conheceram sabem que nunca fui nada.
Não preciso que ninguém entre por este quarto e me diga como me entende. Só quero que me observem e saibam como eu realmente sou enquanto fixo o meu olhar nos olhos de quem me observa.
Sem amor, sem ódio.
Apenas alguém que já desistiu de viver à algum tempo.

segunda-feira, setembro 12, 2005

Apatia

Estávamos os dois sentados no sofá, de pijama vestido, a olhar para o local da estante onde falta a televisão que ainda não comprámos.
Não pronunciávamos uma palavra e apenas se ouvia a chuva cair no telhado. O olhar não se desviava da parede. O colchão, sem cama, no chão do quarto, tinha como sempre os lençóis por fazer e havia um monte de roupa suja no chão. Levantei-me e fui até a janela de madeira do nosso quarto. Conseguia ver a névoa que a chuva formava ao longe. Mesmo ali ao lado, a água morta do rio era castigada pela água da chuva levando com ela todos os desejos que um dia pedi a olhar para aquela água serena. A erva por outro lado ganhava um verde mais carregado, contrastando com a enorme névoa cinzenta no céu. Os carvalhos e pinheiros sentiam as suas folhas choramingarem pequenas lágrimas mas não havia sinal do vento, apenas a chuva levemente fazia-se ouvir dentro de casa. Da outra divisão consegui ouvir o teu longo e sentido suspiro e baixei o olhar ao nível dos meus pés descalços.
Dirigi-me ao quarto de banho. Quando lá entrei afastei a cortina do chuveiro e liguei a água quente. Em poucos segundos o vapor de água quente invadiu o tecto. Lentamente fui tirando as calças e a camisa do meu pijama com riscas vermelhas e cinzentas e nu entrei no chuveiro.
Enquanto a água quente que me caía directamente na cabeça e escorregava pelas costas me relaxava os músculos, mantinha o olhar cabisbaixo e o pensamento num lugar até por mim desconhecido.
Foi então que a cortina do chuveiro aos poucos se foi abrindo novamente e do outro lado estavas tu nua. Sem desviares o olhar do meu, entraste no chuveiro e ali ficámos os dois debaixo do jacto de água quente olhando um para o outro. O teu olhar, assim como o meu, foi ficando cada vez mais triste e começaram a formar-se as primeiras lágrimas por escorregar. Colocámos os braços em torno dos nossos corpos e com a tua cabeça no meu ombro senti o teu choro enquanto também eu, entre o teu cabelo molhado, soltei as minhas lágrimas silenciosamente.
Enquanto a água que nos aquecia caía pelos nossos corpos e após um ou dois suspiros, ainda com lágrimas escorregando pela face, esboçamos pequenos e inocentes sorrisos.

quinta-feira, setembro 08, 2005

Um dia gritarei

A música é sempre a mesma e as noites todas iguais. A guitarra continua a gemer e a melodia a lamentar.
Ainda não se perdeu o medo de olhar pela janela em plena madrugada e ver a poucos metros a linha que determina a escuridão da luz amarelada de um poste que o chão ilumina. A rua onde acaba a estrada que dá lugar à floresta que ninguém se atreve a entrar em plena noite.
Onde apenas os pinheiros altos se agitam levemente num céu estrelado e o silêncio de um cemitério é quebrado por pequenos sussurros vindos da escuridão.
Ainda não se perdeu o medo de olhar pela janela e ver um corpo saindo da escuridão, lentamente, rastejando pela velha rua.
É em plena madrugada que as nossas dores acordam. Perante o mundo que por umas horas parou. Não são levantadas questões nem procuradas soluções. São sentidas apenas as dores que a vida nos trouxe. Da felicidade que nos levou, das desilusões que nos causou, de todas as esperanças que nos roubou.
Procurámos conforto numa noite fria, revivendo vezes sem conta segundos, que ao longo de todo este tempo, nossos olhos fotografaram.
Visitámos lugares que nunca tivemos o direito de conhecer e viajámos sem destino dentro da nossa mente. Escreve-se um livro de emoções na mente de quem muito já viveu entre os lugares que pela mente visitou.
Todos julgam ter a noção que ninguém tem sobre quem ama as madrugadas e nada tem a perder. De quem procura algo por encontrar e apenas consegue viver nas bonitas madrugadas solitárias. De quem sonha em fazer amor com uma cidade húmida e deserta, que a qualquer hora nos espera. De quem com barba por fazer, cabelo por lavar, camisolas velhas e calças rasgadas, sente-se no desejo de sair e nunca mais voltar. De quem deseja olhar pela janela, observar um grupo de pessoas que lá fora nos olham fixamente e desejam fugir para um local diferente todas as noites.
Mas ninguém vem. Apenas a dor acorda.
Voltam as memórias de uma vida despedaçada. De uma vida que nos roubou a própria emoção de viver. Quando apenas restam lágrimas parar escorregar na pele mal tratada.
Quando o dia chegar e todo o mundo acordar, nasce mais uma mentira. Aparece novamente uma realidade sem qualquer tipo de sabor.
Nesta madrugada como todas as outras, vive-se morrendo. Durante o dia morre-se vivendo. O dia teima em não passar, aumentando o vazio, guardando para a noite a dor.
Hoje o olhar fixa-se no chão e o corpo, sentado, lentamente e com a música, baloiça, cada vez mais, até que se perca o equilíbrio e caímos. Com a cara no chão e o olhar fixo no vazio apercebemo-nos que não existe ninguém para nos levantar. E doi.
Um dia a melodia será a minha companhia descendo aquela velha rua e lentamente entrarei na escuridão da floresta. Ouvirei os pequenos sussurros perto dos meus ouvidos e para o céu gritarei.
Com a arma escondida matar-me-ei.

sexta-feira, setembro 02, 2005

O ambiente cinzento

Era Inverno.
O ar gelava as bochechas e as mãos adormeciam. O céu estava cinzento. Todo o céu era apenas uma nuvem cinzenta, como se o sol nunca tivesse existido. Os carros passavam rápido e os passos das pessoas na calçada era apressado. Todos vestiam cores escuras e roupas quentes.
Naquela esquina, num abrigo, duas pessoas olhavam-se. Uma sentada no colo da outra, uniam as suas mãos nas costas uma da outra, decoravam os traços da face que viam a poucos centímetros. As peles macias e os lábios carnudos. Os olhos claros e penetrantes. A cidade continuava em movimento.
O sol não se punha nem nascia, tudo estava pintado de cinzento, como se a qualquer momento começasse a chover, apenas restava uma leve iluminação que o relógio roubava.
Sentiam-se beijos lentos, longos e narizes frios, cachecóis escondiam pescoços quentes, suaves e gorros cabeças despenteadas. Ouvem-se sons de casacos que se movem e o som de fundo de uma cidade cinzenta por natureza. Poucas palavras eram ditas. Esboçavam-se sorrisos. Perfumes quebravam o ar frio que se sentia.
Palavras ingénuas.
Escurecia e o céu pintava-se de negro. O cinzento transformara-se aos poucos negro. Longas despedidas recheadas de abraçados, árvores nuas ao longo da rua definiam o percurso.
Alguém caminhava lentamente com o olhar pregado no chão fumando um cigarro. Olhou para o céu que lhe trouxe uma memória, soltou um leve suspiro e continuou.
Era eu hoje.