quinta-feira, outubro 27, 2005

Viver um poema

Numa noite de Inverno abro portas ao meu inconsciente e aos seus desejos.
Nele encontro toda a vontade de viver nos locais que não conheço, mas que visito todas as vezes que meus olhos descansam. Locais enevoados, sombrios, que escondem o conforto que não encontro, teimam em aparecer dentro de mim, como se a aventura fosse minha amiga e por mim chamasse.
Neste quarto, enquanto a névoa que lá fora se formou entre os pinheiros vistos desta janela, viajo mais uma vez por locais surpreendentemente meus. Caminho entre o silêncio da noite e a beleza tristonha da solidão.
Onde a melancolia traz o conforto que mais nenhum prazer é capaz. Nessas noites silenciosas e tristes, vivem-se poemas, admirando o nevoeiro que me cerca e as luzes amareladas das ruas que não conseguem chegar ás pequenas quelhas. O silêncio diz tanto que não existe palavra que diga o que ele diz. E nele está o chamamento, o sentimento, que por mim chama, a vontade, o desejo, de morrer para a chamada vida e viver para o que ninguém entende.
Caminhar na calçada da noite, abraçando a bruma, sentindo o seu sabor. Saborear a vida que ninguém vive, provar o desejo que me consome pelo tempo que teima em passar, sabendo que morro um pouco mais todos os dias.
E saber que aqui morro, enquanto que no local que o sono traz vivo, apago-me mais um pouco. E ela por mim mais uma vez chama, a aventura de por este quarto sair, sem destino ou rumo pensado. Desejando somente o conforto que existe nos momentos em que todos se afastam, abrindo o caminho para uma liberdade surreal.
Murmuram-se mais umas palavras, num sorriso que se esconde no frio que se sente. E caminha-se na rua escura que tanto me diz, de cigarro aceso procurando aquilo que ainda não encontrei. Visito ruas que nunca conheci cruzando-me com quem procura o mesmo que eu. Talvez um dia viajemos para toda a parte, no conforto que procurámos no vazio. E tropecemos, rindo, em estações de comboio pela madrugada, visitando mais uma cidade deserta que abençoa o que em nós existe, mesmo que seja um vazio existencial.
Entretanto, neste sonho, deito-me em bancos de jardim enquanto os carros ao longe passam e as estrelas lentamente o céu rasgam. Sento-me em passeios e observo tudo aquilo que sempre quis.
Nessas noites sombrias, nesse silêncio que tanto diz, vive-se o poema que hoje escrevo.

quinta-feira, outubro 20, 2005

The untold story

Tenho saudades dos tempos que passaram.
Além de ter vivido de uma forma pouco ortodoxa, para não dizer que passava os meus dias odiando tudo em meu redor, quando penso em tudo o que era (ou não era) sou invadido por uma tristeza criada pelo tempo. Sinto uma nostalgia capaz de me fazer acreditar que recuei no tempo, talvez pela vontade de voltar atrás, e a única maneira de descobrir que vivo num tempo diferente é levantar a cabeça da almofada e lembrar-me de quem eu sou hoje.
No passado sentia uma espécie de conforto na melancolia que me preenchia, capaz de me fazer sobreviver até o dia seguinte, talvez porque através dessa melancolia criava-se um pequeno canto só meu, que me fazia resistir perante tudo aquilo que observava à minha volta. Nesse tempo estava afastado de tudo e de todos, ninguém se sentia capaz de beijar ou amar, mas existia quem me compreendia, talvez vendo-me como uma pessoa que nunca cheguei a ser. Ofereciam palavras de conforto ou de coragem e o tempo ia passando. Hoje que recuo no tempo, vejo que ainda era bastante ingénuo, muito puro e natural, talvez derivasse daí a companhia que sentia e a minha revolta sobre todos os assuntos que me perturbavam capazes de me confortar no meu dia a dia que era um completo desperdício de tempo.
Sinto saudades da ingenuidade que não sei como, perdi. Porque hoje sou apenas mais um corpo com opiniões, ideias e sentimentos que todos já sabem, já viram e já viveram. Sinto-me fora de tempo. Como uma música que aos poucos foi perdendo a emoção de quem a ouve, porque o músico perdeu-se entre as notas e apenas continua porque não sabe o que fazer.
Gostava de me sentir num mundo só meu, mas hoje sinto-me tão velho que já não encontro a minha juventude. Não sinto ao ponto de me refugiar em recordações de tempos que hoje são capazes de assombrar o futuro. Tempos que quando vividos não era dado o seu devido valor. Porque hoje que olho para trás, mesmo que se pensava não viver, estava-se a viver uma vida diferente das outras. Hoje, já não existe chama.
Lamento, com um olhar fixo no chão, ao me aperceber que já não escrevo sobre o meu lado efeminado, sobre as conclusões que o meu olhar retira do mundo que me rodeia, sobre as músicas que têm vindo a ser ouvidas neste quarto. Porque agora também já não existe ninguém para me ouvir, todas as pessoas foram embora, seguiram o seu rumo. Estou mais sozinho do que um dia possa ter pensado que pudesse estar, porque já muito por mim passou e nada permaneceu. Tudo cresceu e floriu enquanto que eu sentei e morri. Não sou metade do que era.
Já não sei quem sou, que faço ou pretendo. É o que mais magoa. Não sei o que é feito de mim, porque me perdi no tempo que por mim passou. Apaguei a minha própria existência e tudo o que resta de mim, encontra-se espalhado no passado.
Destruí tudo o que um dia fui ou estava a construir, a pessoa dentro de mim fugiu e com ela toda a emoção de viver. Destruí toda a minha percepção e capacidade de avaliar o mundo, toda a minha empatia, toda a minha mente desperta e passivamente rebelde, desapareceu, morreu, esvaneceu.
E como tudo em mim que morreu, morri também para quem outrora fui alguém, mesmo qualquer pessoa que pouco me conhecia mas me achava merecedor de um sorriso. Tudo fugiu, que a cumplicidade criada, o conforto que era sentido, as palavras que eram dirigidas, os sentimentos que por todos eram partilhados, aquele mundo que se criou num pequeno grupo, parece uma realidade que nunca existiu a não ser num sonho distante.
O meu cabelo loiro cresceu pelo ombro, o rosto desenvolveu e emagreceu, fazendo com que a pele juvenil agora se maltrate com barba e os poros estejam imunes da pureza outrora característica. O olhar tornou-se mais distante e o sorriso foi desaparecendo entre a leve cortina que o tempo fechou. Hoje sou quem um dia nunca pensei a vir a ser, e por isso, lamento e morro mais uma vez.

sexta-feira, outubro 14, 2005

Walking cliché

Gostava de ser poeta para mentir por um pouco. Mas sinto, demais.
Já não me recordo do dia em que me lembrei de mim mesmo pela primeira vez. Gostava de nascer novamente para reaprender todas as pequenas coisas da vida.
Gostava de sonhar em viver um sonho novamente, algo que me libertasse e me desse a força para viver o que pretendia. Mas neste mundo em que vivo, os sonhos chamam-se ilusões e as ilusões são para quem as quer. Mantenho-me fiel à realidade e procuro magia numa rua deserta e escura. Que me chame e me dê o conforto de uma maneira que nada mais me possa dar. Procuro magia em noites sossegadas, numa cidade de pedra ainda por descobrir, recheada de pequenas quelhas antigas e candeeiros de petróleo.
Tudo o que se possa viver num mundo que é vivido pelas pessoas que na rua passam, nada mais passa de uma ilusão, de uma complexa mistura de sonhos pessoais que se enredam e se quebram. Talvez seja por isso que todos sejam tão cruéis, pelos múltiplos sonhos que já perderam. Talvez seja por isso que todos se vistam de cinzento, pela dor que já sentiram. Talvez.
Já não chega acordar e sentir um dia solarengo, porque será um igual a todos os outros. E à medida que cada dia chega, apenas consegue trazer a dor do dia anterior. Já aprendi todas as pequenas coisas que me deviam encantar por pertencer a este mundo, mas tudo o que sinto é um vazio por saber que não há nada que não mude. Todas as memórias que possa ter tido da infância transformam-se hoje em cinza de um passado ingénuo. Desde que aprendi que o coração serve para bombear sangue, nada me fascina. Ou até que o sol e a lua não são namorados mas estrelas e satélites, que os desejos são apenas ambições e a nossa vida afinal não é o que esperávamos, nada mais me fascina.
Todas as memórias me trazem a vontade de não ser, querer, ter e crer.
Por isso procuro algo por encontrar, apenas eu e todos aqueles que me procuram, sem destino ou vontade de voltar a ser o que não eram. Com o simples conforto em viver nas noites que ninguém entende, nos locais que durante o dia dormem e durante a noite, com o seu nevoeiro que se perde na escuridão, transmitem a magia que ninguém sentiu.
Porque tudo o resto é uma ilusão sem fim.
Mas se encontrar o que ainda não conheço, completará o vazio que sou.

terça-feira, outubro 11, 2005

Smells the taste of all we waste

From rape to right in, too real to live
should I lie down or stand up
And walk around again?
My eyes finally wide open up
My eyes finally wide open shut
I finally found the sound
That heals the touch of my tears
Smells the taste of all we waste
Could feed the others
But we smother each other
With the nectar and pucker the sour
Of bittersweet weather
It blows through our trees
Swims through our seas
Flies through the last gasp we left on this earth

It's a long lonely journey from death to birth

Should I die again?
Should I die around the pounds of matter wailing through space?
I know I'll never know until I come face to face
With my own cold, dead face
with my own wooden case

Estou farto de me repetir.
Como se as minhas palavras não tivessem significado. Como se fossem apenas murmúrios que o vento leva enquanto caminho. Meras palavras sem valor.
Sinto-me um peão mas dentro de mim existo. Sei que não me ouvem e que não me vêem e que apenas eu me conheço e sinto. É a única certeza que tenho, mesmo que não me agrade. Sei que poderia dizer e fazer muita coisa, mas à primeira vista nada teria significado ou então seria entendido da forma que cada um pretende entender. Porque toda a vida foi assim.
Tudo se agrava sem razão aparente. Sente-se apenas um crescendo de emoções tão intensas que chegam a sufocar. Emoções que me rasgam por dentro, que me consomem dia e noite mesmo quando parecem prestes a adormecer. A apatia é quebrada por uma onda de sentimentos que me afoga diariamente e me ameaça implodir. Até conforto apático me escapa.
Restam pequenos murmúrios que revelam a dor de uma criatura que já não vive. Murmúrios que se tornaram tão comuns que hoje são tomados como apenas simples murmúrios. Quando são tudo aquilo que sou e sinto. Quando são a mágoa e a apatia. Por tudo aquilo que meus olhos assistiram e que meu ser sentiu. Por uma voz que se silenciou, um olhar que morreu, um sorriso que desapareceu, uma vida que se perdeu.
Desde que perdi a inocência até hoje, fui perdendo tudo.
Tudo esvaneceu e doeu. Ainda dói quando nos apercebemos disso. Quando reparamos no que tivemos. Do ser que fomos e (não) somos. Das vezes que dissemos que não podia piorar mais. Mas existe sempre mais uma maneira.
E resta também a solidão. Presente nas pequenas pedras da calçada numa noite chuvosa, nas folhas que o vento nas árvores agita. Presente numa cidade cinzenta que tanto confortava como magoava. Resta a solidão que me envolve, que numa noite chuvosa naquele lugar mágico, mantinha-me imóvel, por choque ou pânico do que me apercebia naquele momento que já nem me confortava. Numa vontade de abandonar tudo o que conheço, sinto-me preso naqueles longos segundos, o cigarro sozinho se vai queimando e com o olhar morto no chão o peso no peito aumenta à medida que a chuva cai. Por tudo aquilo que não somos e não temos.
Como um amigo meu gostava de me cantar, a vida é sempre a perder.

terça-feira, outubro 04, 2005

Doce, suave e inocente

E mais um longo suspiro é interrompido por uma voz.
Doce, suave e inocente.
Como um feitiço para os meus ouvidos que desde sempre ansiaram por uma voz que me diga a mais simples das frases. Que me confesse todos os seus enigmas. Que apenas me peça compreensão.
Dois corpos deitados no chão, numa noite em que as ruas tristes da cidade se envolveram num nevoeiro sombrio, criam uma ligação, em pleno silêncio. Nada no mundo existe a não ser aquele momento que será lembrado como o momento que duas pessoas sentiram uma liberdade única.
Porque tudo o resto parou de existir e apenas aquele espaço é real.
Onde existem dois corpos que fixam o olhar no céu estrelado, numa busca por uma liberdade incompreensível.
Apenas uma busca pela liberdade extrema, presente em momentos tão simples mas os únicos em que a liberdade é tanta nos invade. Sem qualquer tipo de tempo para pensar no que aconteceu no passado ou no que fazer de seguida. Um momento único que aliena tudo o resto e apenas permanece a fantasia que as duas pessoas presenciam e em que vivem.
Não crescem sorrisos, somente uma bolha de conforto dentro dos dois.
Porque ambos querem vida.
Sejam deitados numa madrugada em plena praça deserta.
Sentados na margem do rio numa floresta durante a noite.
Caminhando sem rumo nas ruas estreitas de uma cidade desconhecida.
Dormindo em estações de comboio sem ter que apanhar seja que comboio for.
São momentos para aqueles que procuram algo por encontrar.
São momentos que poucos entendem.
São momentos a que nunca tivemos direito.
Onde a apatia dança à nossa volta.
Onde o nosso ser se sente completo.
Por sabermos que presenciámos algo único.
Onde uma liberdade juvenil é vivida sem limites abençoando tudo aquilo que somos.