domingo, junho 26, 2005

Ataques de pânico

Quando era pequeno, costumava ficar num estado que não entendia muito bem e apelidava de ataques de pânico.
De vez em quando acordava durante a noite com medo de algo que não sabia bem o que era. Eu sabia que eram pesadelos que me faziam isso, mas a sensação era dolorosa demais. Faziam-me chamar pelos meus pais mas nunca ninguém me ouvia. Outras vezes podia acontecer momentos antes de adormecer. Quando estivesse a pensar em algo que me pudesse assustar. E chegava a pensar tanto nisso que tinha medo que acontecesse. Tanto medo ao ponto do meu coração acelerar de tal modo que me abraçava a mim mesmo e obrigava a minha mente a pensar em outras coisas. Era tão desconfortável. Entrava em pânico e a única maneira de me acalmar era relaxar a minha mente com algo desnecessário, mas o suficiente para o medo passar.
Essas eram sensações que não gostava nada de viver, eram pequenos ataques de pânico causados por mim, pela minha imaginação. Pelo medo de por exemplo, durante uma tempestade, enquanto ouvia o som que tanto assusta a maior parte das pessoas, eu tinha medo dos silêncios. Era entre eles que eu ficava a pensar, que o raio ia cair ali no meu quarto. "É agora. Agora. É agora. Agora. Agora." Tornava-se difícil respirar.
Descansava quando ouvia o som de mais um trovão. Por momentos a minha mente não se iria fixar no silêncio fazendo o meu corpo paralizar tal o medo de um momento para o outro sentir um raio cair ali no meu quarto. É indescritível o pânico que eu era capaz de sentir com tudo isto.
[Vou procurar mais folhas com formas que me façam sorrir.]
Tanto tempo passou desde esses dias. Mas não o suficiente para os ataques de pânico desaparecerem totalmente. Não me refiro a estes medos psicológicos. Estes pensamentos que me torturavam literalmente até que ficasse calmo. Desta vez os ataques voltaram a nível emocional. Desta vez eles estão de volta com medos bem reais.
Surgem quando me cruzo no espelho e me obrigam a parar.
Fico a olhar fixamente para quem vejo no espelho. Muitas vezes esqueço-me como sou e de como devo roçar a estupidez no dia a dia. Dentro da minha cabeça começam por surgir opiniões. Olho-me com raiva, outras vezes com tristeza. Olho-me como se fosse outra pessoa que eu gostasse de interagir e de beijar. Não por admiração pelo que vejo. Pelo contrário. Para que, por um dia, quem vejo recebesse um abraço com amor, que nunca iria ser quebrado. De um amor muitas vezes disfarçado de ódio quando penso em mim sem me ver. É tudo mais simples quando me olho ao espelho e consigo ler no meu olhar como me odeio. Nas outras vezes, o cabelo parece incomodar, os detalhes do rosto mostram alguém inacabado, que com o tempo se irá tornar no que nunca quis ser. Será mais um rosto envelhecido sem histórias para contar.
Surgem palavras que me foram dirigidas, começam cada vez a ganhar mais e mais razão á medida que me olho. E de repente sinto nojo. É isto que conseguem ver quando me olham na rua? Talvez seja por ser isto que tudo o que me aconteceu na vida acabou por acontecer. Todos os insultos que nunca me fizeram magoam. Fazem com que se torne difícil respirar. Tenho que tentar arranjar uma forma de olhar para mim e conseguir ver algo que me dê esperança.
Estes novos ataques não acontecem apenas pela imagem que vejo no espelho. Acontecem pelo o que a imagem do espelho passou. Pelo que os olhos da pessoa do espelho foram obrigados a ver vezes e vezes sem conta. É a profunda tristeza e a frustração de ser alguém que quando olha para ele mesmo apenas consegue ver uma dor de quem já tentou de todas as formas viver, mesmo em tentar não o fazer.
São os olhos verdes de raiva, a pele estragada por genes longe da perfeição, os lábios que nem um sorriso agradável para quem o vê são capazes de o fazer, as várias dependências que apereceram, a família e a falta dela, a confiança e a falta dela, os 19 anos recheados de dor, a cama fria, o teclado sujo, a caneta preta e o caderno azul, a guitarra desafinada, a janela sempre com a mesma paisagem, o autocarro atrasado. Tudo se junta num só pensamento que é lido vezes sem conta de uma forma confusa pela voz do meu pensamento e aos poucos é capaz de me causar um desconforto comigo mesmo.
E doi a falta do abraço que NUNCA tive. Doi o facto de quanto mais tempo passa, mais magoa. Doi o facto de eu ter que viver a vida desta forma e não ser capaz de o fazer de outro modo. Porque durante anos que me olho e nada mudou. A esperança acaba por aparecer, é ela que faz o ataque passar, mas demora a aparecer. Os ataques acabam por voltar.
Estes ataques de pânico magoam permanentemente. Os anteriores eram apenas medos de criança.
[Diz-se tanta coisa nos momentos em que se escapam palavras.]
Preciso cortar o cabelo.

terça-feira, junho 21, 2005

I have no right [you know you're right]

Não existem palavras, apenas imagens.
Fala-se de tudo e do nada.
Cruzam-se olhares e escapam-se palavras.
Existe tanta coisa que ao mesmo tempo não pode existir nada.
E aqui deitado os violinos desafinados começam a sua sinfonia.

quarta-feira, junho 15, 2005

O som do silêncio

Lá estava eu a dormir até tarde novamente.
Da janela já a claridade invadia o quarto e eu entre os lençóis, encolhia o meu corpo e escondia a cabeça debaixo da almofada. Eram os malditos pássaros com o mesmo chilrear de sempre que anunciam os dias quentes. Por momentos existe uma sensação de paz quando me concentro no meu corpo. Não se mexe um centímetro e sinto um silêncio que me preenche a mente de tal modo que me relaxa. Penso para mim que são destes momentos que as pessoas deviam viver.
A porta do quarto abre-se lentamente e consigo ouvir o som das roupas que se mexem até mim. Sentam-se na cama e permanecem em silêncio.
Dizem-me que já é de tarde e perguntam se me doi a cabeça. E lentamente digo um não com a cabeça.
Perco a noção do tempo, e por momentos adormeci, talvez minutos, talvez segundos. Quando dou por mim seguram a minha mão. Agarram a palma da minha mão e dizem que gostam de olhar para as mãos das pessoas. Confessam que as minhas são bonitas. Quase num gesto bonito e carinhoso sinto os meus dedos lentamente, desfarçadamente, tentando agarrar a outra mão que segura na minha palma.
Dizem-me que está um dia bonito. Não devia estar ali. Não solto uma palavra, nem um único som. Nem a minha mente é capaz de pensar em algo para dizer a ela mesma. Só uns pequenos murmúrios.
Voltam a prestar sentido à minha mão, acariciam o espaço entre os dedos suavemente e mais uma vez aparece um longo silêncio que quase nos faz ouvir o planeta a girar.
São nestes momentos que imagino como é estar no céu azul, a olhar para baixo, ouvindo o som do silêncio.
Em estar num lugar ou ambiente completamente diferente onde já seja noite e ninguém esteja na rua mas onde esse silêncio exista.
A voz volta a falar dizendo que há algo de errado. Mal ouvem o coração bater. E o fim está muito próximo.
É feita mais uma carícia na minha mão e rapidamente a recolho para dentro dos lençóis.
Solto um longo e escondido suspiro e fecho os olhos com força na vontade de esquecer tudo o que tenho dentro da minha cabeça ou cair num sono longe de memórias.

terça-feira, junho 07, 2005

Eu odeio-me

Mas se conseguisse, gostava de poder beijar o rosto que vejo no espelho quando estou bem próximo dele, só pelo olhar que me dá e que entra dentro de mim.

sábado, junho 04, 2005

Punk rock is freedom

São 4 da manhã e acabei de chegar a casa. Deixei de parte os textos intelectuais e limito-me à minha estupidez.
Descobri o que quero fazer, o que quero de mim mesmo e é ser livre.
É pegar num carro durante a noite e viajar nas ruas desertas do Porto. É imaginar o Darth Vader a tropeçar na sua capa enquanto caio lentamente para frente com tanto riso e me apercebo como estou a ser estupido. Quero ouvir os sons das ruas desertas que toda a gente ignora quando estão ocupados demais a descansar a mente mas ao mesmo tempo abrem caminho para aqueles que nunca se enquadram em lado nenhum. Para aqueles que preferem viver onde pouca gente existe e os que existem percebem a nossa vontade de viver.
Levem-me embora, estou disposto a tudo. Roubem um carro, tropecem e riam ás gargalhadas mas continuem a fugir e não se esqueçam de me dar boleia. Levo roupa para uns dias e dinheiro para pequenas refeições. Deixo para trás as velhas preocupações e levo comigo a vontade de viver. Que se cruzem olhares e que olhos transmitam a felicidade que pouca gente entende. Levo comigo quem quero, como quero e o futuro é meu.
Que venham as dificuldades e os problemas, irei saborear a vitória quando os ultrapassar com um pequeno sorriso dado para a calçada. Que se durma durante o dia e à noite se navegue. Que a brisa morna me acaricie a cara e com os olhos fechados consiga ouvir onda a onda a quebrar. Que se ouça os risos de quem brinca na areia.
São adolescentes.
PUNK ROCK IS FREEDOM
Descobri onde encontro a liberdade para expandir o meu ser e esse lugar é no vazio que os outros criam.

quarta-feira, junho 01, 2005

Despertar

Começo por ouvir o som do rio que passa mesmo aqui ao lado e tento abrir os olhos.
Sinto-me sensível a cada detalhe à medida que desperto e me tento levantar do chão. Abro o meu abrigo e deparo-me com uma fria névoa matinal que inspiro. Observo o cenário cinzento que me rodeia e sinto a leve brisa que faz com que as folhas se toquem umas nas outras. Os primeiros passáros começam a chilrear e todos os sons se misturam criando o ambiente que desde sempre sonhei.
Enquanto aprecio a serenidade que finalmente me foi oferecida, uma mão morna agarra o meu pulso e puxa-me novamente para dentro. Vamos dormir.