sábado, novembro 25, 2006

Paranóia

Não queremos acordar ninguém, mais vale não entrar. É melhor ficar á porta e com um pouco de sorte chove para criar mais drama. E com este céu nublado quem prefere estrelas que magoem os olhos? Somente um louco que se queira resumir a si mesmo, desejando um brilho que nunca vai ter.
Mais vale ficar neste silêncio, com este ou outro grupo de gatos que por vezes dobram a esquina. E para quê o nevoeiro, se podemos ver horizontes infinitos que nunca conseguiremos alcançar. É, mais vale brincar com os pés que tocam no chão ao ritmo que se vai ouvindo na cabeça e com um pouco de sorte chove para conseguirmos ensopar as sapatilhas gastas. E com uma noite destas quem prefere a agitação do dia que bem lá no fundo de agitado não tem nada? Somente um megalómano inconsciente da sua ignorância, desejando tudo do constante nada que até agora foi capaz de criar.
Mais vale ficar a ouvir a conversa do consciente, com uma ou até mais vozes que não se calam por muito que possámos querer. E para quê gritar, se podemos guardar este momento para sempre, mesmo que não sirva para seja o que for. É, mais vale brincar com as pontas dos dedos que se tocam lentamente para ver se ainda se sentem, nas luvas de vagabundo compradas numa loja qualquer.
E com esta serenidade nocturna, que no fundo não deixa de ser um vulcão de emoções invisíveis ao olho nu, quem prefere um colchão para se deitar e para voltar a ter um dia como tantos outros? Só um fraco, incapaz de se enfrentar a si mesmo e que gosta de dizer que nada o consegue quebrar.
Mais vale ficar imovél ao ponto de sentirmos o nosso próprio sangue circular, para que sejámos capazes de nos lembrar que ainda funcionamos minimamente. E para quê recusar a existência, se a única coisa certa que temos na vida é a morte? É, mais vale brincar com o cabelo e sentir se já está na altura de o lavar, já que não há luz para ver se o cabelo escureceu de novo. E com todo este silêncio, com o seu ruído tão agudo, capaz de magoar os tímpanos e que lembra o cérebro a trabalhar como um frigorífico, quem prefere outro som qualquer que distraia de tal maneira que nos faça esquecer que existimos. Só um altruísta, capaz de abdicar dele mesmo perante tudo o resto e esses já só existem em páginas gastas pelo tempo.
Mais vale ficar aqui, sentir o corpo que não se mexe um centímetro que seja, onde apenas o olhar consome todas as cores e formas que lhe são apresentadas para além de todas as outras memórias que a mente é capaz de apresentar na tela negra da consciência. É, mais vale ficar aqui quieto, deixar os outros dormir e com um pouco de sorte chove para ver se ainda somos capazes de nos sentir limpos.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Percebes?

Agora mesmo.
Pode acabar tudo aqui. Neste último olhar, no silêncio do meu pensamento. Falta-me egoísmo e isto não é uma qualidade.
Estou cansado de estar cansado e a verdade aos poucos foi ganhando o sabor amargo da mentira, talvez por ser ingénua demais. Perdeu-se o dom da inocência quando tudo o que tocou em nós até hoje se tornou em simples interesses. E tudo nos obriga a pensar dessa maneira, mesmo que tenhamos a certeza e a razão seja baseada na experiência. Dispenso qualquer tipo de intriga ou julgamento.
Envelheci e por muito que o mundo tenha para mostrar, não sou capaz de desenvolver qualquer tipo de enzima que me desperte o interesse em conhecer seja o que for. Sobretudo quando tudo o que nos rodeou, na maior parte do tempo, tenha sido destruição. Desde a mais física, passando pela social, interior ou até, como um espectador enojado, global. E por mais estúpido que possa soar, ganho a inútil vontade de pedir desculpa seja lá pelo que for a qualquer pessoa com que me tenha cruzado. Por muito mal que me possam ter feito ou pela ajuda que me possa ter dado com um simples e sincero olá. Talvez a consciência parasse de construir a cruz que já não aguento. Ou somos todos o resultado de quem vê televisão a mais, romantizando a vida e quando somos capazes de avaliar a nossa, toda ela não passa de um desperdício de tempo. Mas eu não gosto de televisão a esse ponto. Gosto da vida, por mais irónico que possa parecer. Das ruas movimentadas ou abandonadas, de um céu iluminado por um luar capaz de nos guiar numa floresta qualquer ou da chuva que cai numa tarde de céu cinzento. De sons e silêncios, risos compulsivos e despreocupados. Tanto mais que perco a paciência, sabendo ser impossível referir tudo o que se é capaz de sentir através de um momento tão natural.
E talvez não seja de hoje, mas este novo século trouxe um punhado de gente que parece gostar de sentir forçadamente para entrar no barco dos que estão à margem da vida regida pelo relógio. A notícia é que, nenhum dos que estão à margem se dizem melhores que alguém. Não há elites, muito menos snobs. Nem bares da cena, conversas pré-definidas ou pulsos que sangram por atenção. Há dor, diferente da que se sente num funeral, no desemprego ou na falta de saúde. Há um desespero continuo e um desencaixe social progressivo. Há a angústia pelo sentimento de insuficiência, que se vai tornando insuportável.
Mas isto não é ser fraco. Ser fraco é aceitar a vida como ela é.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Scentless Apprentice

Vá lá, continuem. Mas deixem-me com a loucura que faz o meu sangue ferver. Sou a doença contagiosa que apodrece o vosso sistema, o grito que ouvem na rua pela madrugada, o partido que nunca quiseram para os vossos filhos. Acreditam na liberdade? Mostrem-ma! Não a conhecem!
Não vos peço uma moeda nem preocupação, meus queridos. Mas já chegaram ao i de integridade no vosso dicionário de bolso? Olhem para mim! Olhem bem para mim e façam aquilo que fazem melhor: Julguem-me! E riam ou lamentem. Pois eu nasci para quebrar o conceito de normalidade. Sou o vosso anormal preferido. O rei dos anormais. De corpo e mente. Agora usem-me. Mostrem-me a todos que conhecem como o objecto de pura inutilidade e orgulhem-se disso. Ou afastem-se só para não sentirem o meu cheiro. Conheço todos os vossos pequenos segredos. Sobretudo que têm determinados segredos que não querem que se revelem perante todos. E reconheço que desconhecem a vossa ignorância, que no fundo ainda vos torna estranhamente superiores.
Mas eu não tenho nada a esconder. Ofereço-vos o sorriso mais irónico. E isso dá-me o direito de gritar obscenidades nos vossos ouvidos. De fixar o meu olhar no vosso como se quisesse alguma coisa vossa. Porque serei sempre a voz acima de qualquer lei. A voz da livre expressão do individuo.
E quando me acharem a criatura mais nojenta que conseguem imaginar, lembrem-se que todos vocês já acariciaram o vosso próprio sexo e utilizaram as mesmas mãos para tocarem em tudo e todos à vossa volta.
Tenham um bom dia.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Tristeza

A cidade estava bonita. Molhada e cinzenta.
O sol não apareceu e os carros andaram o dia todo com faróis ligados. O fumo das castanhas surgia de todas as ruas de onde entravam e saíam pessoas com roupa de inverno. Os autocarros seguiam o seu curso, os bombeiros acorriam a pedidos de socorro e a polícia patrulhava as ruas. E no meio de tudo isso, lá caminhavam eles.
Uns com um olhar preso no chão, outros que rasgam a multidão como a desafia-la e ainda os que vão-se deixando caminhar pensando mil e uma coisas, divagando na sua droga de eleição. Há quem se sente em qualquer lado, olhando quem passa e quem se esconda no beco mais abandonado, e numa ou outra ocasião há sempre uma senhora de família que passa e como um lamento num tom superior diz: tristeza. E por mais desconhecidas que lhe sejam as verdades, a senhora tem a razão. Nós somos quem costumam ver nas vossas ruas, mal vestidos, imprevisiveis, deliquentes, os que nunca serão nada na vida, para sempre jovens adultos. Mas nós optámos por não ser seja o que for perante a vida que é rápida demais para ser vivida, sem tempo para sentir realmente o que é viver. Somos aqueles que nada dizem e nada cobram, mas conscientes da falta de personalidade, da falta de intelecto e ideais de uma sociedade unida apenas por dinheiro, leis e horários. Nós não somos pessoas, muito menos gente, somos individuos que lutam, mesmo que o façam dentro do seu próprio pensamento, perante o mundo como ele se tornou. Material. Superficial. Preconceituoso. Enfadonho. Somos quem somos e como somos porque somos livres. As nossas roupas não foram feitas para impressionar, a nossa orientação sexual não foi feita para julgar, a nossa música não foi feita para chocar, a nossa maneira de ser não foi feita para receber qualquer tipo de holofote, tudo provém da naturalidade, da espontaneidade, da indignação, da melancolia, da apatia, do desespero... Nós somos a tristeza em pessoa. Somos a elite que não foi feita para vencer, a elite que nunca fora referenciada ou planeada, a elite moldada pelo tempo e por tudo o que ele trouxe e levou.
Somos a elite derrotista de quem nunca ninguém falou.
Partilhámos apenas cidades e acabamos por caminhar a mesma rua. A que transpira angústia e nos lá prende. Vagueamos pela cidade quando todos dormem, sentindo no íntimo a beleza que cada rua cerrada de nevoeiro numa cidade adormecida oferece e dançamos como se fossemos cair a qualquer momento numa adrenalina descomunal. Lutamos em silêncio por uma liberdade que desconhecem, sofremos em silêncio por um vazio que não sentem. E que se fodam os sexistas, que se fodam os homofóbicos, que se fodam os pedófilos, que se fodam os preconceituosos, que se fodam os egoístas, que se fodam os arrogantes, que se fodam as políticas, que se fodam as religiões, que se fodam as críticas, que se fodam os falsos, que se fodam os invejosos, que se fodam os gananciosos, que se fodam os que pensam o que for sem saberem porque o pensam ou que defendem algo que inconscientemente contradizem. E que se foda a vida como a conhecem.
Não existimos em grupo, não marchamos ou cantamos, estamos todos espalhados em silêncio, mas existimos, somos reconhecidos pelo olhar. Porque caminhámos nas vossas ruas e quando olhamos nos vossos olhos, gritámos num pensamento indignado: tristeza!

segunda-feira, setembro 25, 2006

Hoje é o melhor dia para morrer

Hoje é o melhor dia para morrer. Nada melhor como me despedir em glória na minha derrota.
Como um aceno a tudo o que passou, num sorriso sincero e uma derrota aceite em mim. Por tudo o que por mim passou e se foi, por tudo o que em mim se sentiu e se diluiu na derradeira derrota de um ser. Como as nostalgias de uma infância despreocupada onde o mundo se resumia a um quilómetro quadrado de casa, desde á adolescência sem travões mergulhada num mundo cinzento. Adeus ás madrugadas de nevoeiro cerrado, metrópoles vazias e silênciosas. Adeus quartos pintados pela dor que nos acompanhou, despertares apáticos e solitários. Não há nada mais que possa esperar para recear, acaba aqui. De nariz bem erguido e um pequeno e irónico sorriso na face, à espera daquele último segundo, num olhar distante: Acabou.
Todas as roupas que eu já vesti e todas as recordações que tinha quando as vestia de novo, em todos os lugares que estive... Todos os álbuns que eu já ouvi, num carro sem destino ou na minha cabeça a caminho de algum sítio... Todas as pessoas que já cumprimentei, olhei e sorri, como qualquer pessoa na rua, as pessoas que poucas vezes me cruzava até as poucas que me conheciam realmente... Todos os escolas que frequentei, todos os autocarros que andei, numa rotina constante até ao seu último dia... Tudo isso presente na consciência tão intensamente... Vivi tão rápido. Tudo isso acabou.
Agora sou capaz de afirmar que me tornei um espectador deste teatro. Farto de conhecer figurinos com as suas fatiotas que variam de tamanho de tecido, padrões e cores com o passar dos anos. Farto dos cenários que se repetem vezes e vezes sem conta, restando apenas eu, caminhando entre tudo e todos com mil e uma memórias enquanto tudo o resto, seja em que local for, se recolhe para aquilo que chamam casa para recomeçar tudo de novo amanhã. Como a tentativa de se aproximar daquela rapariga mesmo que essa seja comprometida, a ânsia de comprar um carro novo para substituir o que foi destruído, a vontade de jogar aquele jogo, comprar aquele telemovel, comer aquela comida, ouvir aquela música, ver aquele filme, humilhar aquela pessoa, foder aquela amiga daquele amigo. Ou então estudar, para estabelecer uma vida e casar com alguém exactamente como nós, com um curso melhor que o nosso, para criar descendência, passar a tradição religiosa ao filho enquanto a mulher fornica o patrão e o marido passa férias com os amigos e traí a mulher com uma qualquer. E em casos raros, amar, para atravessar a vida de mão dada e um sorriso estampado no rosto, pelo peito se encher de uma felicidade doce e terna, que nos lembra todos os beijos, todos os olhares, naquela tarde, naquela noite, em casa, enquanto faz frio lá fora, no mar, enquanto o sol cai. Que nos lembra o toque da pele, uma na outra, em mais uma cama, as coxas e os troncos, as respirações e os olhos apaixonados. Tão apaixonados como o caminhar, para qualquer lado, no desejo de encontrar um canto para criar um mundo completamente á parte. Uma casa, um apartamento com duas divisões, as roupas rascas, os vinyls antigos, na baixa de uma cidade qualquer, numa vida em pleno conforto com a nossa pessoa, amando tão naturalmente e intensamente, quem dorme abraçado ao nosso corpo quando acordámos todos os dias. Por reconhecer que a pessoa ao lado é a melhor pessoa que se possa conhecer, que nos sente da mesma forma e que quando olha ao seu redor, o olhar é o mais bonito e querido que possa existir perante tudo o resto.
Tudo existe. Eu observo, após a derrota. Sabendo como tudo funciona, como tudo nasce, vive e morre. E quando os dias são a sucessiva repetição do que há para sentir, escalamos a multidão adormecida até ao topo e de nariz bem erguido num pequeno e irónico sorriso na face, ficámos á espera daquele último segundo.

sábado, setembro 16, 2006

"Então senhor Bruno, como passou?"

Lerei em voz alta, mesmo que o teu silêncio me magoe:

Estou á espera que me batam à porta e me esperem com um sorriso seguido de um abraço apertado em vão. Que venha a dor de tudo perder. Por mais que adormeçamos com o desejo de amanhã ver alguém que desapareceu, esse alguém nunca voltará. A voz, o olhar, o sorriso, os gestos, nada voltará. Apenas a saudade dolorosa de tudo o que se perdeu.
O dia nasceu calmo e silencioso, nem os passáros cantaram, nem o sol nasceu radiante e com vida. Limitou-se a nascer, na mesma serra de sempre e com o tempo ergueu-se lentamente. Nem estava quente nem frio, tudo seguia o seu curso silenciosamente. Só o teu nome, vezes sem conta, escrito na parede negra do meu pensamento. E o peso no peito, como se o coração estivesse a cair no vazio que hoje me criaste. Volto a ser criança e vejo-te da janela da minha antiga cozinha, a caires da tua bicleta e com o teu queixo ensanguentado a chorar. Com um avental estancam o teu queixo e abraçaste à cintura da minha avó em dores. E como um sonho, visito-te com jogos e ficámos tardes a jogar mega drive em tua casa, por vezes amuados um com o outro, por alguém ganhar mais vezes. E voltámos a lanchar, em cozinhas antigas o pão que o padeiro trazia a meio da tarde e um copo de leite com chocolate que na altura nos satisfazia mais do que qualquer coisa. Fomos vendo os nossos traços a desenvolverem-se, eu sempre fui o magrinho que não conseguia engordar. Caminhámos sempre juntos para o meio de rapazes e raparigas em diversas escolas que o tempo tornou-os como nossos conhecidos. Tu eras sempre o guarda redes e eu alguém que tentava pontapear uma bola.
Nunca me chateei contigo. Nunca. Nem quando não passávamos de crianças com um mundo por conhecer ou adolescentes com um mundo que lhes caía em cima. Mudámos de penteados, ambientes, conhecidos e amores, mas continuámos sempre os mesmos. Nem o tempo foi capaz de quebrar o que inconscientemente construímos. Apanhávamos sempre o mesmo autocarro, caminhávamos sempre a mesma rua, umas vezes com conversas mais semelhantes a outras mas nunca fomos capazes de nos afastar. Mexe-te! Levanta-te daí! Deixa-me apodrecer em mim mesmo como sempre tão bem o soube fazer mas não me persigas em sonhos que me acordem durante a noite.
Mexe-te! Ouve-me! Mexe-te! Pára com esse teu silêncio insurtecedor! Quero que me convides para mais uma partida de bilhar e me afastes das trevas que eu próprio semeei. Mas mexe-te! E não me abandones aqui enquanto quieto caminhas em direcção à terra que te comerá. Acorda e ri-te das lágrimas que nunca me viste derramar por ti ou de tudo aquilo que nunca te cheguei a dizer. Ninguém merece que o seu funeral seja no próprio aniversário.
E tenho tantas fotografias tuas cá dentro. Como tu, ao longe em mais uma manhã mergulhada num nevoeiro, a chamar por mim, de mochila ás costas, a caminho da paragem do autocarro. Ou o segundo antes de desviarmos o olhar um do outro, quando a estrada nos dividia cada um para sua casa. O teu rosto. Umas vezes mais sorridente que outras. Até mesmo quando segurava o teu corpo sem força, enquanto vomitavas depois de mais uma noite cheia de alcóol. As festas de aniversário que tinhas, quando éramos mais novos e recebias sempre algo que ansiavas por parte dos teus pais. A felicidade intensa presente no teu e no meu olhar, quando riamos de alguma piada que criavamos ou de quando recordávamos algum programa que tinhamos visto. Mesmo os teus sermões sarcásticos quando ias ter comigo atrás de um pavilhão qualquer enquanto fumava e faltava ás aulas.
"Então senhor Bruno, como passou?"
"És um anjinho!"
"Vai uma aposta?"
"Os teus crepes são uma merda"
"Ouvi dizer que hoje à tarde vens a minha casa"
"Eu espero por ti na paragem"
Uma imensidade de sons e imagens guardadas em mim. Partilhámos o mesmo sangue. Partilhámos uma vida. E isso, nunca me vou esquecer. Só não queria estar aqui para te ver partir antes de mim.
O céu estava limpo e nenhum pássaro ou qualquer nuvem se atreveu a rasgá-lo. Não haviam borboletas ou flores por desabrochar. Não se viam casais de mão dada passeando, nem se ouviam carros ou risos distantes de criança inocentes. Foi um dia de luto por ti.

segunda-feira, setembro 11, 2006

O dia está a começar de novo

O dia está a começar de novo, mesmo que para mim o sono não tenha chegado.
Vou observando o reflexo do meu rosto, sereno e penetrante, que tanto esconde, enquanto o cigarro se queima sozinho entre os dedos agora adultos e com muitas histórias por contar. Tenho dentro de mim o suficiente para me destruir e no entanto vou vivendo comigo mesmo, destruindo-me num silêncio como este. Sei de cor todas as razões pelas quais sou quem sou e quem nunca serei. Sinto apenas a falta de um lugar que não me conheça como hoje sou ou me faça lembrar de mim mesmo, ao contrário das ruas que todos os dias caminho.
Vou enlouquecendo, numa postura que se ridiculariza a si mesma. E tento escapar a mim mesmo em noites como esta, nunca com um destino traçado. Como neste escritório de uma fábrica onde vou anotando tudo o que existe para sentir em mim e em meu redor.
Todos dormem, uns mais descansados que outros, assim como quem dorme neste preciso momento atrás desta cadeira, no chão, gasto, por tudo o que viveu até hoje. Todos, de alguma maneira, encontram sempre um caminho que hoje vejo como uma mentira que todos preferem acreditar. E até as cores da cidade, as roupas que visto, os rostos desconhecidos com que me cruzo, a maneira como me olho e todas as imagens que levo em mim como memórias, levam para longe a paz que preciso.
Não me entristece o facto de todos os dias terem o mesmo sabor amargo, mata-me a certeza que todos eles me dão e nenhum contradiz. Limito-me a recordar tudo o que passou como um filme, onde hoje sou o espectador que se emociona sempre que se vê a si mesmo numa terceira pessoa que caminha em direcção ao fim, que destrói tudo o que possa ter construido e lamenta, num silêncio doloroso, pela perda da força que precisa para lutar mais um dia. Desistiu e como um castigo, caminha com essa derrota, num peso que aumenta à medida que vê o tempo passar.
Cansa-me pensar no que existe lá fora. Fui conhecendo e compreendendo como tudo é e funciona, de tal maneira, que a realidade me roubou de mim mesmo. Não culpo nada nem ninguém, a não ser eu mesmo, por ter criado o vazio que substituiu tudo o que todos os anos que por mim passaram, trouxeram. Desde os primeiros sorrisos inocentes aos últimos dias que vivi intensamente. Entre essa linha de tempo, existe uma vida que se perdeu. E hoje sou alguém que não espera seja o que for de qualquer coisa, até de si mesmo. Sou aquele que se perdeu.
Tudo o que tocou morreu. Viveu, mas o tempo matou-lhe a vivacidade. Ficou apenas com o seu corpo cansado e a sua mente derrotada. Pagou com a vida quando sentiu a inocência desaparecer. Porque um dia, sem o saber, acreditou que mudaria o mundo. Mundo, que no fim, acabou por o consumir, por tudo o que viu, sentiu e viveu. Será para sempre um livro que fechou e que contará sempre a história mais triste que poderá ser lida.

terça-feira, setembro 05, 2006

Lambendo feridas

Como um animal, quando as luzes se apagam, fica ele lambendo as feridas.
Um vai e vem de sentimentos percorrem o corpo gasto e os gritos são tão intensos que assustam a pobre alma que por ele passa. Os olhos espelham um desespero que se dilui com raiva e a ânsia de viver. O cabelo que fora arrancado com os próprios membros ainda paira no ar e uma respiração ofegante faz-se ouvir. As imagens percorrem-lhe o cerebro e os musculos contraem-se involuntáriamente, adivinhando-se mais uma explosão de dor.
Ouvem-se vozes e sentem-se toques, invocam-se presenças e os punhos cerram-se até o sangue banhar o chão. Não existem portas nem janelas para fugir ao destino que se traçou, apenas a certeza que amanhã terá que lidar com o fantasma que criou de si mesmo.
Brilham os olhos naquela escuridão dolorosa, enquanto se lambem feridas, como um animal.

terça-feira, agosto 22, 2006

Teenage Angst

Leva nele o grito que o libertará perante um mundo que nunca pertencerá, seguido de um choro que o libertará perante a multidão que nunca seguirá.
Esconde-se em florestas, escapando do som dos passos na calçada, dos carros que têm sempre para onde ir e das pessoas que levam nelas a ignorância que deu lugar á inocência de descobrir e viver. Bebe alcóol para não temer o manter de um sorriso natural e fuma substâncias para sentir a dança de uma alma que se afoga numa vida que nunca conseguiu fugir, a não ser lá, longe, no lugar onde não está. Espalha risos quando tropeça e choros quando se confessa quem realmente é, nunca entristecendo a natureza que o rodeia, porque essa é o seu escape. As ruas e os bancos de jardim vazios, até os baloiços e os escorregas abandonados na madrugada, estão prontos para adolescentes que querem sempre algo que nunca conseguem sentir.
O despertar é sempre confortante, quando o pássaro canta e o rio corre, a música ao longe toca e os lábios de um rosto ainda com os olhos fechados, esboçam um sorriso. Vestem-se os calções de ganga que outrora foram calças, as sapatilhas sujas e uma t-shirt velha demais. Acende-se o cigarro e suspira-se por tudo aquilo que se sente e tudo aquilo que não se consegue sentir, a adolescência deve ser isso mesmo.
Porque os olhares comprometem corpos e os sorrisos a alma, não há nada que vagueie no pensamento capaz de corroer mais um pouco um ser que enfraqueceu com o tempo. Caso o vazio se faça sentir, por tudo aquilo que sabemos que nunca morre, existe uma linha de horizonte reconfortante, um toque de pele quente e suave que faz esquecer o que amanhã poderá trazer. Existe sempre a salvação no olhar que substitui qualquer palavra e na fotografia que se tira mentalmente do local mais bonito que se pode estar.
Viaja-se. A alma vai sempre mais além que os passos que se dão e os suspiros sentem-se mais do que qualquer palavra dificil de ouvir. E quando a noite chega, já quando a visão é turva e as respirações acalmam ainda mais, ele senta-se num canto de uma rua qualquer, vendo tudo o resto seguir o seu curso, perto de tudo aquilo que precisa, numa magia inimaginável e reconfortante que o faz sorrir, para não se lembrar do mundo como ele realmente é, lá fora.

quarta-feira, agosto 02, 2006

Adolescentes

Quando acendemos um cigarro a ouvir música ás quatro e meia da manhã durante meses, podemos dizer que há algo de errado, não podemos? Não, precisamos apenas de arranjar um passatempo.
Olá.
Eu não procuro nada, muito menos uma atenção doentia para alimentar um ego que é bonito dizer que não existe. Tenho apenas a tendência de me afastar de tudo aquilo que vejo como é e não me diz nada, mesmo que isso seja o mundo que vejo lá fora e que o pequeno e bonito espaço que todos dizem haver é uma pura mentira fruto de uma esperança ignorante. Desisto de mim mesmo até quando vejo como as pessoas são e insistem em ser uma coisa que não são. Apenas me dou valor quando estou bêbado ou drogado e sinto em mim a vontade de agarrar quem tenho por perto e fugir para longe. Não preciso de diagnósticos psicológicos para me conhecer nem os procuro para me rotular perante o mundo e esperar que ele me aceite como sou. Tanto posso ser odiado ou amado, até indiferente, serei sempre eu próprio perante tudo o resto e não pretendo arrancar sorrisos ou tentar chocar tudo e todos que se possam cruzar comigo, porque todos eles confessam dentro deles mesmo como são bem melhores que muita gente mas preferem dizer que não gostam deles mesmos. Bem vindos à moda intelectual do novo século.
Com a pele de um jovem que sou ou na leito da minha morte, terei apenas uma única certeza.
Sou quem sou e serei sempre feito de mim mesmo.

quarta-feira, julho 12, 2006

Parasita

Sinto-me tão doente que me vejo incapaz de acabar mais um cigarro, mesmo que continue contra mim mesmo.
O silêncio chegou de novo e com ele, todas as paranóias que me levam a desejar o fim que tanto falo e parei de tentar alcançar. De que vale morrer agora com tanto por ver e sofrer, como assim aconteceu até hoje? Gostava que um olhar me beijasse a alma, salvando-me de mim mesmo, mas todos os olhos que vejo na rua estão cegos. Nunca irei pegar num telefone e lamentar-me para alguém, deixo isso para mim mesmo, por mais auto destructivo que seja, sabendo que todas as noites me aproximam mais da dor que carrego em mim. Da dor que sinto nos mais banais dos despertares, nos mais belos dos sorrisos que vejo e sou incapaz de tentar alcançar, nas paredes desta casa carregadas de segredos, ou mesmo até no velhote que pela manhã já se encontra no café a beber sozinho, de fato velho e o seu cheiro a carne que apodreceu.
Nunca ninguém me pediu para sentir, mas hoje em dia ninguém pede nada a ninguém, porque todos têm o direito a qualquer coisa, mesmo que conscientemente causem dor à pessoa mais próxima. Limito-me a observar o curso natural de tudo o que me rodeia e revolta-me que ninguém faça nada para mudar seja o que for. Eu próprio já perdi toda a força que num momento de revolta possa ter ganho, por ter deixado cair o mais belo dos quadros que possa ter desenhado. Vejo felicidade naqueles que vivem numa constante mentira que o tempo lhes ensinou a acreditar e angústia nos que sempre tentaram de algum modo alcançar algo que desde sempre faltou. Caminho entre todos eles em silêncio, sempre na esperança de não perturbar seja quem for que me possa magoar mais tarde. Levo nos olhos a dor que guardo em mim e que não desaparece, mesmo na alegria dos pequenos pormenores que não são incapazes de escapar. Como a pequena criança loira e irrequieta, vestida de marinheiro por uns pais que nunca irão adivinhar o que ela poderá sentir nas primeiras decádas de vida, no tempo cinzento que é incapaz de trazer a tristeza de uma chuvada e a alegria de um sol radiante, ou até no meu gato que me sobe até ao ombro e ali fica sentado, olhando pela janela enquanto escrevo.
Cada dia que chega é mais um recheado de pensamentos que se tentam decifrar, quando todos eles se repetem rapidamente, como uma mensagem escondida numa música antiga que é tocada ao contrário. O único conforto que sou capaz de sentir, é o de saber que não arrasto ninguém no pesadelo que vivo quando deixo o mundo de sonhos que me perturbam. Não obrigo ninguém a sentar-se na ponta da cama, tocando-me no ombro, pedindo calma, quando luto entre os lençóis comigo mesmo sem me mexer, mesmo que por vezes o desespero me leve a querer alguma entidade disponível. Sou capaz de me sentir cansado de gritar sem usar a voz. Sou um simples parasita de mim mesmo, corroendo a própria alma até à exaustão física e mental. E hoje, assim como ontem, sinto-me cansado de me ter como me sou, sabendo que não vale a pena combater numa luta que lá fora, ninguém, se apercebe que existe.

domingo, julho 02, 2006

Loneliness

Mary Jane said life's a wait
I already knew
Because we're down
We'll lose the town
Just like I would choose

Mary Jane said minds are games
I went to the moon
Before we know
She'll have to go
Wish I were there too
But I've got to go

Mary Jane

Mary says
I, I can love you
Life's a wait
Why, why should I lose
When I've got to go


The Vines, Mary Jane

quinta-feira, junho 22, 2006

Noites

São duas da manhã, pego numa bicicleta que me emprestaram e saio porta fora na esperança de encontrar algo mais do que a dor que tenho em mim.
Viajo entre estas ruas, típicas de uma vila, que neste momento estão mergulhadas pela escuridão que as adormece e abre caminho para todos aqueles que procuram algo mais do que aquilo que um simples navegar em plena madrugada pode trazer a qualquer pessoa que é capaz de ser feliz num mundo de ilusões que se vivem diariamente. Pedalo lentamente, reconhecendo todas as ruas que parecem ganhar um encanto que escondem durante o dia. Os gatos que caminham em grupo fogem para os becos e ficam ali, ver-me passar com um pequeno sorriso, de quem fugiu de uma casa que traz todas aquelas recordações que doem e que temos constantemente em mente nestas noites solitárias que nos afogam em nós mesmos.
Vou subindo a rua que me vai dar a vista que mais posso desejar numa noite tão silênciosa onde sou capaz de ouvir dezenas de conversas que possa ter tido ou ouvido e em mim estejam guardadas. Suspiro ao sentir que tudo o que me rodeia dorme e eu vou vivendo, viajando, até onde desejar, com uma angústia que é capaz de me dominar quando, sozinho, no quarto, me apercebo de tudo aquilo que diariamente me rodeia. Hoje é tempo de sair e correr, parar no tempo e viver. Viver momentos dos que sentimos em sonhos, que não passam de realidades paralelas e que sempre desejámos sentir.
No cimo da rua, encontro uma rapariga sentada no passeio, olhando para o horizonte que cá de cima aparece de uma ponta à outra da nossa visão. Decido parar e antes que pudesse pensar em qualquer coisa para dizer, mesmo que não me sentisse capaz de dizer seja o que fosse, pergunta-me o que vim cá fazer. O que me leva a perguntar o porquê dessa pergunta e recebo a resposta mais bela que podia alguma vez imaginar. A rapariga diz-me que vem cá várias vezes, na esperança de um dia encontrar alguém que procure um local como aquele, à procura de uma paz que foge constantemente dia após dia. Vem caminhando lentamente, entre a noite, numa vila adormecida, observando e admirando cada detalhe que lhe fica gravado na mente como tudo se tratasse de um sonho bonito demais para ser vivido. Vem cá, abandonando um mundo de sentimentos que a prendem e a sufocam dentro de si mesma, por toda a dor que possa ter dentro dela que ninguém que conheça é capaz de imaginar ou sentir. Seja por tudo aquilo que possa ter vivido, por tudo aquilo que vive e que a impossibilita de sentir um conforto que à muito lhe escapa, onde apenas em noites como esta, longe de tudo e até de si mesma como se conhece, encontra.
Já sentado, lhe disse que o meu sonho apenas se tinha tornado mais intenso, por encontrar alguém que procura o mesmo que eu. E mais intensas estas noites seriam, se vissemos subir aquela rua, um a um, adolescentes com a alma magoada, procurando aquilo que nunca encontram e que para a maioria dos que neste mundo habitam desconhecem. Um pequeno grupo se formaria, como um culto, em torno da apatia, que vaguearia à nossa volta enquanto aqui ficávamos em silêncio.
E vi o sorriso mais sincero que alguma vez possa ter visto, saboreando a paz e o sabor da apatia.
Veio o silêncio e já de cigarro aceso, observo o largo horizonte que é rasgado por uma serra interminável onde apenas as pequenas luzes ao longe cintilam e as estrelas que dançam no céu lentamente pintam o mais bonito dos quadros que parece trazer a benção por algo que trazemos em nós.

sábado, junho 17, 2006

never ending thought

Raramente me lembro que tenho 20 anos. Quando o faço, sinto-me velho. Detesto falar sobre mim e nunca sei o que dizer porque penso mil e uma coisas e nunca sei o que dizer sobre elas. Não faço nada de jeito na vida. Tenho uma paixão assumida pela Melanie Griffith que começou na personagem Lulu do Something Wild e pela Kim Gordon dos Sonic Youth. Gostava de ter conhecido o Jack Kerouac. Gosto de gatos. Não gosto de cobras, perto de mim. Não gosto do meu quarto. Não gosto do local onde moro. Passo o tempo a escrever, a fumar e em paranóias constantes dentro de mim mesmo. Gosto de pintar os olhos, usar guizos nas roupas e oculos dos anos 80. Gosto de all stars e roupas ás riscas. Não gosto é da onda alternativa que hoje se formou que todos têm que usar roupas ás bolinhas e ás riscas, franjas e ouvir bandas que não passem na MTV. Gostava de trabalhar numa loja de música, mesmo sabendo que hoje em dia, mesmo as pessoas que apreciam música preferem sacá-la da internet. Gosto de fazer feedback com a minha guitarra e do meu pedal de distorção. Gosto de perder o controlo enquanto toco quando ninguém vê. Gosto de drogas e dos seus efeitos que me afastam de tudo o que possa existir. Não gosto de me sentir a toda a hora um adolescente sem rumo. Não gosto das pessoas que neste momento me estão a julgar ao ler isto. Não procuro um futuro brilhante. Aliás, não procuro seja o que for. Viveria na rua com as pessoas certas. Exploro a baixa sempre que posso até as pessoas me conhecerem de vista. Não socializo muito. Poucas pessoas me conhecem. Ainda menos as que me falam. Sou conhecido por ser aquele que ninguém conhece. Passo o dia a ouvir música, até mesmo na minha cabeça. Gosto de tentar tocar guitarra em locais fechados. Gosto de passar noites num anexo cheio de pó, brinquedos velhos, garrafas vazias, colchões velhos, longe da vida como a possa conhecer, improvisando na guitarra, delirando na droga e em conforto por me sentir longe de mim mesmo. Não gosto de sentir o tempo a passar por mim como acontece, sabendo que desperdiço minutos que nunca voltarão, mesmo que não consiga fazer nada para mudar seja o que for. Gosto de fotografia. Gosto de sair à noite, para locais que poucas pessoas vão. Gosto de concertos. Gosto de sítios calmos. Gosto de estar em silêncio com alguém e conseguir sentir que a outra pessoa se sente bem. Não gosto de mim como me conheço. Gosto de dormir em florestas. Passo noites em claro, em angústias inexplicáveis e desesperos pouco comuns. Nunca digo nada de jeito quando tentam falar comigo sobre alguma coisa. Gostava de me sentir totalmente livre no meio deste mundo de coisas que acontecem onde nada me consegue dizer seja o que for. Gosto de adolescentes que se consigam sentir a eles mesmos e que gostam de conhecer pessoas assim. E não gosto de começar todas as minhas frases por gosto.

terça-feira, junho 06, 2006

The lonely journey

Sou uma criatura estranha que se nega a cada despertar mas que mesmo assim, acorda, deixando-se morrer.
Tenho uma alma magoada e sem cura que me desgasta o corpo e a mente nos dias que passam dolorosamente sem me trazerem qualquer alento. Sofro de tanto sofrer e sofro tanto por não me querer. Mudaria o mundo para uma paz incompreensível que trazia o mais belo dos suspiros a todos aqueles que se sentem a eles mesmos. Já me cansei de tanto querer, que hoje não quero nem procuro. Vou-me deixando em palavras que me saem do fundo e do vazio, da angústia e do desespero, mesmo sabendo que a cada segundo que passa é mais um que não volta mais. E nem mesmo as palavras mais reveladoras e sentidas que possa partilhar me afastam do que carrego em mim, todas elas me cercam, numa tempestade que me destrói lentamente. Só preciso de um sitio calmo e discreto que me traga o silêncio que me leva a vida que nunca agarrei, não peço mais. Apenas uma tranquilidade estupidamente dolorosa por saber que tudo em mim se esgotou à muito tempo.
De nada me valem as palavras maduras e experientes na vida que nada me diz se nenhuma delas me são capazes de me ler como sou. Sou tudo aquilo que não fui e que nunca chegarei a ser, talvez por isso me pese a consciência distorcida e paranóica. Não me lamento por tudo aquilo que aparento ser, apenas me odeio por não ter onde pertencer ou simplesmente querer algo mais do que a própria vida em si.
O alcóol, o tacabo, a cocaína, o haxixe e a erva não são mais do que escolhas conscientes de quem não se quer, escudos temporários para uma realidade que nunca quis, acelerando um ponto final que mesmo podendo ser colocado já, preferi vivê-lo. Esvaneço na vida como num nevoeiro cerrado de uma cidade deserta em plena madrugada.

All the smiles that I gave
And all the tears that I shed
Will never safe me from myself
Or replace what I felt