sexta-feira, março 18, 2005

Reflexão

Acho que me fui perdendo ao longo do tempo. Digo isto porque existem momentos em que numa fracção de segundo revivo tudo o que ultimamente se passou
comigo e parece tudo uma mentira, tudo parece errado e o meu único desejo para mim mesmo apresenta-se fechado numa caixa que se vai abrindo aos poucos.
Sinto sempre algo mas nunca o suficiente para saber o que quero de mim mesmo. O meu intímo esconde-se de mim, não sei porquê. Até ao dia que ele exploda cá dentro e aí os olhos que se abrem em mim nessas fracções de segundos me levem a tomar uma acção. Seja qual for, tomá-la-ei.
Se calhar estou habituado a deixar os dias passar e me contentar em saber que podia viver pior. Talvez porque saiba que no passado já passei dias muito mas muito fodidos e que aquela dor, aquele vazio constante no meu dia a dia era muito mais sentido naquele tempo do que actualmente. Não estou a pôr de parte a hipotese que num futuro próximo passe pelo mesmo. Simplesmente, neste momento, consigo visualizar os dias que passei dentro do meu quarto a olhar para o tecto de madeira sem me mexer um centimetro. A quando era obrigado, fechar as minhas pálpebras e abrí-las novamente enquanto da janela entrava o chilrear dos passáros que me faziam imaginar um belo dia de sol. Sei que existiram horas, dias, semanas, meses desperdiçados. E todo o resto do mundo viveu enquanto isso. Dias e dias em que a dor era tanta que eu tinha preguiça e ao mesmo tempo medo de adormecer. Estou ciente que já me manti acordado 72 horas. Sabia que no dia seguinte, quando acordasse, ia ter aquela sensação de despertar e me aperceber novamente do meu estado. Passei tantos dias sentindo-me mal que haviam vezes que já nem me lembrava porque estava assim. Talvez fosse aborrecimento, talvez fosse o produto de um racíocinio que antevia a minha vida como uma merda onde os meus ideais de vida eram completamente postos de lado e do futuro só me aguardava ainda mais angústia. Talvez fosse só mais um dia de mau humor. Talvez o resultado de uma soma de factores negativos na minha vida. Talvez fosse a minha vida que eu não queria. Porque era assim que me sintia. Um nada. Sem amor próprio. Sem amor como o conhecessem. Sem esperança. Sem vida.
Pensar nisto tudo não ajuda. Porque ainda o sinto.
Porque aqui estou eu sentado novamente. Lá fora está espalhado o calor que me faz sentir novamente naquelas tardes de Verão dentro do meu quarto onde passava o dia sem literalmente pronunciar mais do que 10 palavras. O dia de hoje faz-me recordar a maneira como encarava a vida que a cada momento que passa, com os meus verdadeiros olhos abertos, se revela cada vez mais verdadeira. E a minha consciência nem sabe como reagir, criando um bloqueio na minha mente do peso de uma barra de ferro que sinto de um lado ao outro da cabeça que me impede de pensar claramente e só me faz prestar atenção a pormenores como a maneira como as minhas mãos estão secas, como as minhas axilas me incomodam, como o tecido da minha roupa me incomoda quando toca no meu corpo, como sinto a minha cabeça pesada e oleosa. Eu sou bastante traiçoeiro. Não estou a falar do Bruno que as pessoas conhecem. Estou a falar de mim, de mim mesmo, como eu sou realmente. O meu inconsciente liberta agora os seus gritos silenciosos através de sonhos. Sonhos que me fazem entrar num mundo onde as coisas como as conhecemos se apresentam de uma maneira distorcida, de uma maneira invertida. Onde o maior movimento das pessoas é feito durante a noite, onde passo a maior parte do tempo a olhar para o céu porque está sempre estrelado e encontro sempre algo no céu que reluz como uma estrela e certas vezes acaba por me assustar levando-me a acordar. Outras vezes ando num autocarro com pessoas que me parecem familiares mas quando acordo não me lembro de nenhuma em concreto e sinto que nunca estive com elas. Eu queria que as coisas na minha vida se invertessem. Talvez seja isso. A minha angústia refugiou-se no conforto do mal estar adormecido dentro de mim. Isso só serviu para criar um vazio ainda maior dentro de mim.

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