sexta-feira, outubro 14, 2005

Walking cliché

Gostava de ser poeta para mentir por um pouco. Mas sinto, demais.
Já não me recordo do dia em que me lembrei de mim mesmo pela primeira vez. Gostava de nascer novamente para reaprender todas as pequenas coisas da vida.
Gostava de sonhar em viver um sonho novamente, algo que me libertasse e me desse a força para viver o que pretendia. Mas neste mundo em que vivo, os sonhos chamam-se ilusões e as ilusões são para quem as quer. Mantenho-me fiel à realidade e procuro magia numa rua deserta e escura. Que me chame e me dê o conforto de uma maneira que nada mais me possa dar. Procuro magia em noites sossegadas, numa cidade de pedra ainda por descobrir, recheada de pequenas quelhas antigas e candeeiros de petróleo.
Tudo o que se possa viver num mundo que é vivido pelas pessoas que na rua passam, nada mais passa de uma ilusão, de uma complexa mistura de sonhos pessoais que se enredam e se quebram. Talvez seja por isso que todos sejam tão cruéis, pelos múltiplos sonhos que já perderam. Talvez seja por isso que todos se vistam de cinzento, pela dor que já sentiram. Talvez.
Já não chega acordar e sentir um dia solarengo, porque será um igual a todos os outros. E à medida que cada dia chega, apenas consegue trazer a dor do dia anterior. Já aprendi todas as pequenas coisas que me deviam encantar por pertencer a este mundo, mas tudo o que sinto é um vazio por saber que não há nada que não mude. Todas as memórias que possa ter tido da infância transformam-se hoje em cinza de um passado ingénuo. Desde que aprendi que o coração serve para bombear sangue, nada me fascina. Ou até que o sol e a lua não são namorados mas estrelas e satélites, que os desejos são apenas ambições e a nossa vida afinal não é o que esperávamos, nada mais me fascina.
Todas as memórias me trazem a vontade de não ser, querer, ter e crer.
Por isso procuro algo por encontrar, apenas eu e todos aqueles que me procuram, sem destino ou vontade de voltar a ser o que não eram. Com o simples conforto em viver nas noites que ninguém entende, nos locais que durante o dia dormem e durante a noite, com o seu nevoeiro que se perde na escuridão, transmitem a magia que ninguém sentiu.
Porque tudo o resto é uma ilusão sem fim.
Mas se encontrar o que ainda não conheço, completará o vazio que sou.

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