quinta-feira, setembro 08, 2005

Um dia gritarei

A música é sempre a mesma e as noites todas iguais. A guitarra continua a gemer e a melodia a lamentar.
Ainda não se perdeu o medo de olhar pela janela em plena madrugada e ver a poucos metros a linha que determina a escuridão da luz amarelada de um poste que o chão ilumina. A rua onde acaba a estrada que dá lugar à floresta que ninguém se atreve a entrar em plena noite.
Onde apenas os pinheiros altos se agitam levemente num céu estrelado e o silêncio de um cemitério é quebrado por pequenos sussurros vindos da escuridão.
Ainda não se perdeu o medo de olhar pela janela e ver um corpo saindo da escuridão, lentamente, rastejando pela velha rua.
É em plena madrugada que as nossas dores acordam. Perante o mundo que por umas horas parou. Não são levantadas questões nem procuradas soluções. São sentidas apenas as dores que a vida nos trouxe. Da felicidade que nos levou, das desilusões que nos causou, de todas as esperanças que nos roubou.
Procurámos conforto numa noite fria, revivendo vezes sem conta segundos, que ao longo de todo este tempo, nossos olhos fotografaram.
Visitámos lugares que nunca tivemos o direito de conhecer e viajámos sem destino dentro da nossa mente. Escreve-se um livro de emoções na mente de quem muito já viveu entre os lugares que pela mente visitou.
Todos julgam ter a noção que ninguém tem sobre quem ama as madrugadas e nada tem a perder. De quem procura algo por encontrar e apenas consegue viver nas bonitas madrugadas solitárias. De quem sonha em fazer amor com uma cidade húmida e deserta, que a qualquer hora nos espera. De quem com barba por fazer, cabelo por lavar, camisolas velhas e calças rasgadas, sente-se no desejo de sair e nunca mais voltar. De quem deseja olhar pela janela, observar um grupo de pessoas que lá fora nos olham fixamente e desejam fugir para um local diferente todas as noites.
Mas ninguém vem. Apenas a dor acorda.
Voltam as memórias de uma vida despedaçada. De uma vida que nos roubou a própria emoção de viver. Quando apenas restam lágrimas parar escorregar na pele mal tratada.
Quando o dia chegar e todo o mundo acordar, nasce mais uma mentira. Aparece novamente uma realidade sem qualquer tipo de sabor.
Nesta madrugada como todas as outras, vive-se morrendo. Durante o dia morre-se vivendo. O dia teima em não passar, aumentando o vazio, guardando para a noite a dor.
Hoje o olhar fixa-se no chão e o corpo, sentado, lentamente e com a música, baloiça, cada vez mais, até que se perca o equilíbrio e caímos. Com a cara no chão e o olhar fixo no vazio apercebemo-nos que não existe ninguém para nos levantar. E doi.
Um dia a melodia será a minha companhia descendo aquela velha rua e lentamente entrarei na escuridão da floresta. Ouvirei os pequenos sussurros perto dos meus ouvidos e para o céu gritarei.
Com a arma escondida matar-me-ei.

1 comentário:

Anónimo disse...

um dia gritaremos todos juntos.


(nao faço ideia do k digo hoje. bolas.)


bjinho*